Um mês depois da saída do seu novo álbum “Pura Vida (Banda Sonora)”, Cap Magellan teve o prazer de entrevistar a grande fadista Mísia, que no próximo mês de janeiro de 2020, estará em Paris no Festival Au Fil des Voix, em companhia de António Zambujo, e vários artistas, para nos embarcar numa bela viagem.
Cap Magellan : Boa tarde e obrigada por nos dar essa oportunidade de lhe fazer algumas perguntas.
Mísia : Muito obrigada eu !
Cap Magellan : Como surgiu essa vontade e curiosidade de começar a cantar fado?
Mísia : É uma coisa um bocadinho… digamos lógica ! O fado fazia parte do meu quotidiano. Sou portuguesa, ouvia fado, e foi na adolescência que comecei a gostar.
Cap Magellan : Qual foi o maior obstáculo que já superou na vossa carreira?
Mísia : Não foi bem um obstáculo, mas umas das dificuldades que eu tinha é que o fado que eu fazia em 1991 era algo completamente diferente do que existia naquele momento.
Cap Magellan : Em novembro de 2018 sai o seu novo álbum que é intitulado “Pura Vida (Banda Sonora)”, como é que foi escolhido o título do álbum ?
Mísia : “Pura Vida” porque é a primeira vez que realizo um álbum que tem uma energia relacionada com a minha vida privada. E “Banda Sonora” porque é um álbum sobre estes dois últimos anos da minha vida.
Cap Magellan : Sendo uma obra muito pessoal, abre o seu coração aos fãs mas também aos que descobrem a artista que você é. Foi difícil realizar este álbum ?
Mísia : Não foi difícil, já faço álbumes à mais de 20 e tal anos, só que este fica mais especial porque foi preparado em relação a um momento difícil da minha vida. Isso explica a energia deste álbum, os arranjos que tem, a coroa de espinhas na capa e várias outras coisas lá dentro. Tudo está em relação à uma situação que se pode ler no livrete do álbum.
Cap Magellan : « Pura Vida Banda Sonora » , é um álbum com vários instrumentais inéditos, como é que você veio a encontrar estas associações musicais tal como a guitarra portuguesa e a guitarra elétrica ?
Mísia : É desde o início do meu trabalho nos anos 90 que eu tenho feito o meu fado com arranjos muito pessoais. O seja sempre acompanhada com guitarra portuguesa, mas também com o acordeão, com o violino, depois com o piano… Também fui acompanhada pela Maria João Pires ! Portanto tenho feito um fado da maneira que eu sinto e desta fez, precisamente pela situação que traz este disco. A guitarra elétrica que não está usada para ser pop, nem para ser moderna, nem para ser um fado pop. É uma guitarra que está tocada de uma maneira para ser mais trágica.
“A guitarra portuguesa é como se fosse o céu, e a guitarra elétrica como se fosse o inferno.”
Cap Magellan : Ao Longo do Álbum, ouvimos as vossas origens, a as influências que elas tenham no vosso ADN musical. Isso era importante para você ?
Mísia : Há muito tempo que canto temas da música latina, em espanhol, não quis que fosse sempre em português. Já há muito tempo que eu canto em várias línguas. No álbum, temos convidados tal como o Ricardo Ribeiro, o que acho importante. Temos o Raul Refree, que é o produtor da cantora espanhola Rosália com muita popularidade neste momento. Sempre tento variar as minhas colaborações !
Cap Magellan : Em 2004, você recebeu a distinção de “Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres” por Jean-Jacques Aillagon, ministro da cultura francês. E também foi distinguida por Bertrand Delanoé e recebeu “Officier de l’Ordre des Arts et des Lettres”. Você esterá em Paris para o festival “Au Fil Des Voix” no dia 20 de janeiro de 2020 onde vai atuar com António Zambujo no palco de La Cigale. Sempre é especial voltar aqui em Paris ?
Mísia : Paris e França foram muito importantes no meu percurso artístico. Durante muito tempo, tive uma editora francesa – a ERATO – e então sou tecnograficamente muito ligada à França. Já cantei em Paris – em quase todos os teatros – e sempre tive uma grande ligação com a capital francesa.
Cap Magellan : “O Fado não é alegre nem triste , é a Vida , o Destino”, o que isso quer dizer para você ?
Misia: O Fado nem é alegre nem triste, é a vida porque é um sentimento ainda mais profundo. Na vida, temos alegrias e momentos de tristezas e faço referência a isto mesmo.
“No entanto és sempre tu
Sempre que canto o meu fado
É quase o teu corpo nu
Quase quase aqui ao lado
Tenho a noite por exílio
A tua ausência por lei”
Ausencia, Album Pura Vida, Mísia
Cap Magellan : Como é que você interprete estas palavras do poeta Tiago Torres da Silva ? Como é que se realizou essa colaboração ?
Mísia : A obra diz muito mais do que qualquer fadista. Há muito tempo que colaboro com Tiago Torres da Silva – figura importantíssima na poesia – e não é a primeira vez que escreve algo para ser cantado. Já estou a preparar outro repertório deste poeta português por isso é um colaborador essencial para o meu trabalho. Ele percebe muito bem o que é que eu quero ! Além disso, este disco tem 3 temas feitos por él especialmente para o álbum “Pura Vida”. Sou-lhe muito agradecida !
Cap Magellan : Há vários anos que você faz parte do palco e do mundo musical e fadista, não só a nível nacional mais também internacional. Quais são as três principais competências para ser fadista na sua opinião?
Mísia : Não saberia reduzir a três competências, mas é claro que uma pessoa tem que ter uma certa disciplina artística, tem que ter uma essencialidade artística – ou seja – saber porque é que faz o que faz. Isso é uma coisa essencial ! E foi o que me aconteceu quando comecei a cantar fado durante uma época horrível para o género musical. Ninguém ouvia fado, não se vendia, mas tinha de o fazer daquela maneira. Cada um tem de seguir o seu caminho. Cada pessoa é como é, tem de se enganar e depois recomeçar. Há de ter uma ideia do mundo para saber por onde ir. Boas vozes ? Há muitas. Mas ter alguma coisa para dizer ? Ahí é que há menos. Tem que ser algo muito pessoal. Ser autêntico !
Cap Magellan : Muito obrigada por nos ter dado do seu tempo para falar sobre o vosso último álbum ! Próxima paragem em Paris ? Dia 20 de Janeiro ! Festival Au Fil Des Voix !
Lucie Lemos
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