O festival Cinéma du réel, realizado em Paris e exclusivamente dedicado ao gênero documentário, chega a sua trigésima-nona edição repleto de atrações em língua portuguesa. A começar pela justa homenagem ao diretor ítalo-brasileiro, Andrea Tonacci, falecido em dezembro do ano passado, e cuja obra será exibida integralmente durante a mostra deste ano.
Espírito crítico e independente, Tonacci não pecou por excesso. Fez os filmes que precisavam ser feitos, sem abrir concessões, e permaneceu, assim, no lugar que a nossa generosa sociedade destina àqueles que não se corrompem: a margem. Não por acaso, o seu primeiro longa-metragem, Bang Bang (1971), tornou-se um dos ícones do chamado Cinema Marginal brasileiro do período da ditadura militar — ainda que selecionado para a Quinzena dos Realizadores do festival de Cannes daquele ano. Um filme formalmente ousado, em que uma cena não leva à outra, mas onde “cada instante de fala, gesto, ruído e ambiente adquire uma responsabilidade dramática decisiva”, como escreveu Paulo Emilio Sales Gomes em uma crítica publicada no Jornal da Tarde, no ano de 1973.
A carreira de Tonacci culmina com Serras da desordem, sua obra-prima de 2006, que levou dez anos, quatro versões de roteiro e cento e quarenta horas de filmagens — preto e branco em 35 mm, e digital colorido — para ser finalizada. O filme narra a história do massacre da tribo Awa-Guajá a partir do ponto de vista de um dos sobreviventes, o índio Carapiru. Confundindo os limites entre documentário e ficção, a personagem principal é interpretada pelo próprio índio, que reencena a sua história. Segundo o crítico Ismail Xavier, “com a trajetória de Carapiru, o filme expressa a vontade de tornar clara a dimensão de violência contida nesta expansão de uma sociedade que pautou sua relação com a natureza por uma idéia de dominar”. No ano de seu lançamento, Serras da desordem ganhou os prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor fotografia no festival brasileiro de Gramado.
Além da homenagem a Andrea Tonacci, dois filmes portugueses serão exibidos no festival Cinéma du réel deste ano: o curta-metragem Nyo Vweta Nafta de Ico Costa, filmado inteiramente em Moçambique, promete ser um belo estudo cinematográfico sobre as populações moçambicanas das cidades de Inhambane e Maputo, e participará da Competição Internacional de Curtas ; enquanto o documentário O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu (2015) de João Botelho, uma declaração de amor deste último dedicada ao mais prolífico e longevo dos realizadores portugueses, será projetado nas Sessões Especiais do festival. Aliás, Manoel de Oliveira e Andrea Tonacci encontram-se numa acertada reflexão do cineasta português: “se não há dinheiro para filmar a carruagem, filmo apenas a roda, mas filmo bem a roda.”
O festival Cinéma du Réel acontecerá dos dias 24 de março a 2 de abril no Centre Pompidou, em Paris.
Plínio Birskis Barros
capmag@capmagellan.org
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