Cármen Souza: O prazer é meu!
Cármen Souza: Foi há 18 anos que comecei a fazer música com o Théo Pascal que infelizmente não está aqui hoje. Foi ele que me despertou o bichinho. Um bichinho que eu sempre tinha uma grande curiosidade para descobrir. Gostava muito de cantar, de descobrir instrumentos e com o meu pai também tentava descobrir muitas coisas, mas nunca pensei fazer nada a sério até o Théo ter-me descoberto, digamos assim. Foi a partir de aí, há 18, 19 anos atrás.
Cármen Souza: Sim! Foi a partir de aí que comecei a desenvolver os instrumentos e a descobrir mais a minha voz e a experimentar a composição com a mentoria dele. E então passaram esses 18 anos a correr!
Cármen Souza: Foi também através dele! Ele tinha uma coleção grande de Jazz. Até aquela altura já tinha ouvido falar do Jazz, mas nunca tinha entrado assim em profundidade e em detalhe no Jazz. Lembro-me de começar a ouvir e o que me despertou a atenção foi a forma de dedicação e a forma de como os artistas de jazz descobriam as suas próprias vozes individualmente como pessoas, como se o jazz fosse um modo de vida, tal como o dizia a Nina Simone, em que tu descobres a tua voz na tua vida, como descobres a tua voz na tua música. A tua música e a tua vida andam sempre de mãos dadas, e a medida que tu cresces pessoalmente, a tua música também, e vice-versa.
Cármen Souza: Ella Fitzgerald usava a voz de uma maneira completamente diferente, como se fosse um instrumento. As vezes de maneira corporativo, as vezes muito melodioso, foi isso que me despertou, com a alegria que ela traz para a música dela. Gosto sempre de voltar a ouvir a Ella Fitzgerald.
Cármen Souza: O Jazz no seu génese vem de Africa é uma música particularmente de Cabo-verde, que são as minhas origens, é uma música muito ligada ao mar e tem esta continuidade com quase um olhar para o horizonte. A mistura com o Jazz foi muito simples e parecem que se casaram direitamente, porque a música cabo-verdiana é muito leve e delicada. Isto misturando-se com o Jazz, conjugou muito bem! A final não são universos tão diferentes.
Cármen Souza: Sempre ouvi a única música francesa que conhecia, que era a Edith Piaf, uma cantora fantástica e com uma voz muito única, sempre com algo para dizer, e uma personalidade muito forte.
Quando comecei a vir cá e fazer concertos aqui em Paris, e a descobrir a cidade e a música local, tudo fez sentido e é por isso que comecei a ouvir e a comprar vários discos da Edith Piaf. Divirto-me imenso com a maneira dela. Ela tem uma maneira sarcástica de cantar, o que é muito interessante.
Cármen Souza: Teve um impacto muito grande porque eu não conhecia muito o Jazz e ter descoberto um músico tão importante, que também tinha origem cabo-verdiana e que deixou uma arte tão grande na música Jazz como um dos fundadores do Hard Bob, foi incrível. Foi uma confirmação daquilo que comecei a fazer sem saber que já tinha ouvido alguém o fazer. Foi muito interessante perceber aquele swing que ele sempre teve e que sempre foi caracterizado nos Estados-Unidos como um pianista que tinha um swing muito diferente. Esse diferencial era exatamente esse swing lusófono que ele tinha. Horace Silver é uma grande inspiração e marcou muito o meu crescimento como artista.
Cármen Souza : São tantos! Ele (Horace Silver) deixou um repertorio enorme e por isso foi difícil para mim ter que escolher estas músicas porque nós tínhamos uma lista enorme. Gosto muito de “Soul Searching” que é um tema que deixa uma mensagem muito profunda sobre o facto de nós descobrirmos o nosso propósito e porque que estamos aqui e unidos como humanos. Ele era um homem de poesias e de palavras, um homem que tinha uma busca muito profunda. “Silver Blues” e “Soul Searching” são os temas que gosto mais. Eu e o Théo quisemos fazer estes temas em dedicação a ele. Também “Lady Music” porque era a maneira do Horace Silver falar da sua música. Ele dizia que a música dele era a sua esposa e que nada poderia ficar no meio desse casamento.
Carmen Souza: O meu pai tocava guitarra, mas nunca foi profissional. Acho que ele sempre admirou esta profissão que eu quis escolher. Claro que é sempre com alguma preocupação natural de pai porque sabe que não é uma vida estável e que passo a vida a viajar. O que é interessante, porque ele também passou a vida a viajar de barco, é que a partir do momento em que se reformou, eu comecei a viajar pelo mundo inteiro. Até existe uma piada entre nós porque quase não existe um lugar de onde eu vou que ele não tenha estado! Essa ligação que nós temos é gira, especialmente quando ele fala que teve lá “em sessentas” e “em setentas” e depois partilhar com ele a nova realidade e como estes sítios mudaram. A realidade dele foi muito diferente da minha. Depois, sempre levo os conselhos dos mais velhos porque viveram mais tempo e tenham mais experiências.
Cármen Souza: Obstáculos são todos os dias! É assim que se apresenta a vida. A música também nos apresenta obstáculos todos os dias, acordar e acreditar naquilo que não se vê e lutar pela nossa música, continuar a acreditar e levar a música mais longe, fazer “tournées” com poucas horas de sono, com jet-lag, etc… Tudo isso são os desafios diários que eu continuo aprendendo a viver com eles e a ultrapassa-los a medida que eles aparecem. E é com preguntas como essas que ficas a pensar que pode ser muita coisa, mas isso é a vida, é o que eu gosto de fazer e que quero continuar a fazer!
Cármen Souza: Exatamente isto! É uma vida de muito desafios, mas uma vida que também traz muita alegria quando chegas a qualquer sítio, pisas qualquer palco e consegues chegar as pessoas para depois eles se juntarem a ti. É uma vida de muita luta apesar de aquilo que os medias e os programas de televisão fazem pensar, como se fosse uma vida de muito glamour onde tudo é fácil e onde tudo está nas tuas mãos. Para um músico que faz a sua música original, que tenta furar, chegar a sítios e que tenta manter a sua vida economicamente, é uma grande luta!
Lucie Lemos
capmag@capmagellan.org
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