Em conversa com Lina, a Cap Magellan procurou conhecer a doce, modesta e serena Lina que dá voz a esta viagem sensorial em conjunto com Raül.
CM : Como surgiu em si a vocação pela música e especialmente pelo Fado?
LINA : Ora bem, eu comecei muito pequenina a cantar, em casa eu já cantava. A minha mãe dizia que eu, na aldeia dos meus pais, que quando andava à minha procura as pessoas diziam “olhe passou mesmo agora por aqui a cantar”. Portanto cantar foi algo que nasceu comigo. E o meu pai e a minha família também tiveram esse lado que me incentivou, principalmente o meu pai, a cantar Fado e a apaixonar-me por esse estilo musical.
CM : Quem seria a Lina hoje, se não tivesse descoberto o Fado? Os seus pais também são ligados à música?
LINA : Sinceramente não sei. Eu sempre estive muito ligada às artes, até porque estive em teatro. [Os meus pais não estão ligados às artes], profissionalmente não, mas gostam muito de música e de cantar e, portanto, incutiram em mim esse lado do canto em grupo ou cantar Fado, como ainda hoje o meu pai canta, mas como um hobby, não profissional.
CM : Os seus primeiros anos foram vividos em Bragança. Quando foi a última vez que viajou para lá?
LINA : Foram. Ontem. *risos*. A minha família toda vive lá e é sempre bom, nas férias, subir um bocadinho mais para o interior e aproveitar toda a natureza e tudo aquilo que o interior tem para nos dar: as praias fluviais, os campos, tudo, o clima é completamente diferente. É algo que eu faço muito nas férias, sobretudo nesta altura e então aproveito para ver e para estar com a família que é o mais importante.
CM : Quando é que a Lina e o Raül se conheceram? Quando começou o dueto?
LINA : Eu canto no clube de Fado e houve uma noite em que o Raul foi lá ouvir-me cantar e estivemos também a jantar, por isso foi um início de uma boa relação musical, que aconteceu no dia seguinte no estúdio, onde estivemos o dia, – dia não direi – mas estivemos talvez umas 4 ou 5 horas a tentar perceber a nossa ligação musical, como é que funcionava e supreendentemente, as coisas fluiram muito bem e saiu este disco, que foi fruto desta ligação. Foi este disco, Lina Raul Refree, do qual me orgulho imenso.
CM : Pensando em Fado, associamos logo ao nome Amália Rodrigues. Quais são as maiores dificuldades em cantar as músicas da Amália? Há uma grande responsabilidade?
LINA : Haverá sempre uma responsabilidade em cantar Amália, tanto que eu penso que cada um interpreta Amália Rodrigues à sua maneira. Não é fácil nem difícil é o que é, cada um interpreta à sua maneira. Eu não quero fazer uma cópia daquilo que a Amália cantava, talvez se quisesse fazê-lo, usávamos a guitarra portuguesa e os instrumentos que usava. Sinto que canto os Fados da Amália à minha maneira, com algumas semelhanças porque é a minha escola, a Amália é, de facto, a minha grande influência, mas tento sempre dar a minha intensidade.
CM : Segundo um artigo da Vivavox production, a Lina escolhe apenas algumas músicas da Amália para cantar. Tem alguma regra na escolha das músicas?
LINA : Eu se pudesse cantava-as todas, mas um disco deve ter 10, 11 músicas. Escolhi aquelas com as quais me senti mais à vontade e que achava que serviam perfeitamente à minha interpretação e à do Raül. O Raül vem mais do Flamengo e trabalha com outras sonoridades. Se calhar agora poderia até fazer algo com as músicas mais ritmadas, mas o meu desejo era fazer algo que fosse semelhante a música A Capela.
CM : O que traz o Raül a este Fado menos tradicional?
LINA : O Raül faz todos os adornos e o suporte à voz, dá importância à voz e dá importância ao poema, à própria música, porque acabamos por não alterar a música, a construção musical de cada Fado, apenas ornamentamos e, naquilo que eu sinto quando canto e ouço algumas gravações é que afinal o Fado ainda pode ser sentido com mais intensidade, principalmente quando canto em igrejas. Porque às vezes fazemos concertos em igrejas e fica tão bonito, tão intenso. Sinto que estamos a dar a intensidade certa e não retiramos a intensidade que o Fado tem.
CM : Possui músicas originais?
LINA : Já escrevi uma letra para Fado dos Sonhos, “Tenho saudades de mim”; para o filme “O Consul de Bordéus” escrevi duas letras e uma música em parceria… Tenho feito algumas coisas mas guardo sempre na gaveta até ter oportunidade para colocar essas músicas cá fora e ser um bocadinho mais ambiciosa nesse sentido, para poder mostrar que também sou capaz de fazer músicas e letras.
CM : Mas nunca compôs para si? Nunca escreveu uma música para que a Lina cantasse?
LINA : Já sim, a “Tenho saudades de mim”, está no segundo álbum, “Carolina”.
CM : Qual é a sua fonte de inspiração para compor músicas?
LINA : Muitas vezes tem a ver com outros artistas que eu oiço e muitas vezes pego na viola e canto e toco e dedilho e a melodia sai. Às vezes gostei tanto daquele bocadinho que gravo para não me esquecer. Às vezes não sai nada daí, mas acabo por fazer o trabalho, não de urgência, de “ah agora tenho de fazer uma música”, mas porque me dou bem com a música. Aquilo que eu sinto no momento, aquilo que sai, uma frase musical, acabo por tentar reproduzi-la e acabo por guardá-la e provavelmente servirá algum dia para alguma coisa.
CM : Anteriormente dizia que fazia concertos em igrejas. A religião é uma fonte de inspiração?
LINA : Às vezes perguntam-me o que é o Fado, e eu digo que o Fado é uma religião. As pessoas juntam-se para ir ao Fado como se juntam para ir à igreja. É um momento de silêncio, de introspeção, de deitar para fora as dores, as agonias, as tristezas, a saudade. Acabo por sentir essa ligação com o interior e tentar que a minha voz seja uma luz para quem ouve. O concerto com o Raül é por ser uma viagem, faz com que as pessoas saiam um bocadinho da rotina do dia-a-dia, dos pensamentos, torna o momento especial. Pode ser um momento de introspeção.
CM : No início deste ano o Fado português perdeu uma das suas principais estrelas. Para marcar o seu papel no Fado, foi criado o Prémio Carlos do Carmo. Como se sente ao ser galardoada, em conjunto com o Raül, deste prémio?
LINA : É um grande privilégio, não estávamos mesmo nada à espera porque obviamente havia outros discos a serem premiados tão bons como o nosso, mas foi de facto uma surpresa muito grande porque, não sendo Fado tradicional, a SPA e os elementos do júri decidiram dar-nos o prémio a nós e estamos gratos com este presente que nos foi dado em Portugal. Porque é muito importante sermos reconhecidos no nosso país, não só lá fora.
CM : O que espera do seu concerto no Festival Métis na próxima sexta-feira?
LINA : Espero o que espero em todos os concertos. Que haja uma energia boa, que eu sinta que as pessoas estão cativadas e entendam a ideia. É um concerto que não tem aplausos, tem uma pausa no meio e outra no fim. Não quer dizer que não queiramos ser aplaudidos, mas quando há aplausos acaba por se perder um bocadinho a intensidade e às vezes, o aplauso quebra. É como unir as energias, as almas naquele momento e é importante que as pessoas consigam sair das suas rotinas e das suas preocupações e que consigam entrar nesta viagem.
CM : Qual a música que mais gosta de cantar?
LINA : Essa pergunta é tão difícil. Depende do momento porque há sempre uma preferência, mas essa às vezes acaba por ser ultrapassada por um momento que torna as músicas diferentes. Hoje uma música foi a que correu melhor ou foi aquela onde consegui canalizar melhor as minhas emoções. Depende do nosso estado de espírito, físico, da nossa comunicação, a voz depende do outro e do público, porque a energia do público vem até nós e eu pelo menos sinto o estado de espírito do público, e não é preciso aplaudir, é a energia que se sente no ar.
CM : Pode destacar um momento que mais lhe marcou enquanto artista?
LINA : O último concerto que fizemos em Paris foi na Fundação Cartier, ao ar livre, e havia pessoas deitadas no chão a ver as estrelas e a ouvir o concerto. Foi um momento muito bonito, daqueles que eu guardo na memória. Sentiu-se que as pessoas estavam mesmo envolvidas e faziam aquilo que mais lhes apeteceu fazer. A música é visual porque é preciso que o seja, mas é sobretudo o sentir, as sensações auditivas que nos fazem sentir a pele de galinha; não é quando vemos, é quando ouvimos.
É já no dia 10 de setembro que Lina_Raül Refree volta a Paris para proporcionar a próxima “viagem” aos amantes de Fado. Em parceria com o Féstival Métis, a Cap Magellan lança um concurso no Instagram no qual oferece bilhetes duplos para o evento.
Ana Sofia Rocha e Eva Nizon Araújo
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