O documentário Volta à terra, que será lançado este mês em DVD na França, é a estreia de João Pedro Plácido como realizador. Não se trata, contudo, de uma primeira história dentre muitas que o jovem cineasta pretende contar, pois em entrevista à agência Lusa, ele já declarou: “Isto é uma estreia e uma conclusão. Eu não pretendo continuar a realizar. A minha profissão é ser diretor de fotografia e os meus projetos são os projetos dos outros realizadores”.
Levando em conta a declaração, o filme parece ter alcançado, para o seu autor, certa plenitude de sentido, como se a Volta à terra arrematasse um ciclo, descrevendo uma totalidade. Esta, sabe-se logo, é a da vida comunitária dos quarenta e nove bravos habitantes da aldeia da Uz, esvaziada pela emigração, e berço dos avós e da mãe do realizador — João Pedro Plácido costumava passar as férias de verão no local, situado nas montanhas do norte de Portugal, a vinte quilômetros de Cabeceiras de Basto. Aliás, a familiaridade do cineasta com a comunidade traduz-se nas imagens: realizada entre dezembro de 2011 e janeiro de 2013, a filmagem segue e respeita o ritmo das quatro estações do ano e da vida da aldeia, enquanto os aldeões parecem tão habituados com o olhar por trás da câmera que não tardamos a confundi-los com atores de ofício. A ilusão de ficção torna-se ainda mais forte aos olhos do espectador citadino, para quem a existência de tal comunidade poderia parecer inconcebível no mundo contemporâneo.
Mas o gênero documentário não deixa dúvidas: Uz é uma espécie de milagre de nossos dias e o filme um gesto de resistência contra a extinção de certos valores ainda praticados pela comunidade e reconhecidos como autênticos pelo próprio realizador: “A entreajuda, o reconhecimento da importância do outro, a agricultura de subsistência, uma política de não consumismo e a partilha e o amor pelos animais e pela natureza são um espírito muito forte que não há nas cidades. Acaba por ser também uma lição de bem viver e de bem-estar. No fundo, também é essa a mensagem que me interessa passar”.
Todo o mérito de João Pedro Plácido consiste em nos transmitir um testemunho sobre um mundo, que embora frágil e ameaçado nos dias de hoje, permanece, surpreendentemente, integrado. E para obter tal resultado, o realizador consegue isolar de certa forma a aldeia de todos os elementos que lhe são externos, pondo em prática o seu talento e experiência como diretor de fotografia: Volta à terra impressiona pela beleza dos planos, que realçam “a simbiose do Homem e da Natureza”, à maneira dos grandes pintores, como Millet e Van Gogh.
Não surpreende, portanto, que esse seja, possivelmente, o primeiro e último filme do jovem realizador. A vida na aldeia de Uz parece carregar certa completude de sentido, apesar do futuro mais que incerto. Talvez o último plano de Volta à terra seja o mais triste do filme: nele, o jovem agricultor Daniel balança a cabeça negativamente encarando a câmera, num raro gesto de desalento, para depois caminhar, com a enxada no ombro, na direção de uma névoa em que tudo se perde.
Plínio Birskis Barros
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