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12 juillet 2021Há uma forma diferente de caminhar até Santiago de Compostela. O Caminho de Torres, que liga Salamanca a Santiago de Compostela, em Espanha, ao longo de cerca de 600 Km, e une a Ponte do Abade, em Sernancelhe, a outras localidades como Amarante, Guimarães e Braga, passando ainda por Ponte de Lima, onde entronca com o Caminho Central Português.
Descubra 10 curiosidades sobre o Caminho de Torres
1- Um caminho singular
O Caminho de Torres adota o nome do seu mais célebre peregrino, o escritor salmantino Diego de Torres Villarroel. É um itinerário jacobeu que percorre antigas estradas medievais que ligavam Salamanca e o interior de Portugal ao ocidente peninsular e às vias litorais que permitiam o acesso a Santiago de Compostela.
Ao longo de mais de 20 dias de caminhada, os peregrinos desfrutam de um percurso que é diverso e tem identidade própria, que é duro e, ao mesmo tempo fascinante, que é desconhecido e afinal tem tantos pontos de interesse para o culto a Santiago.
Quem se aventura por estes quase 600 km de trajeto enfrenta subidas íngremes e longas jornadas solitárias, mas também passa por centros urbanos inesperados, trechos deslumbrantes de paisagem e tem contacto com um património surpreendente.
1.1 – Diego de Torres Villarroel
“Fue el más penoso el que hice de ir a pie a visitar el templo del apóstol Santiago”
Diego de Torres Villarroel (1743)
Diego de Torres Villarroel (1694-1770) fez o Caminho de Santiago em 1737. A viagem decorreu em cinco meses, possivelmente entre abril e setembro. Escassos seis anos depois daquela peregrinação já o autor guardava dela uma memória negativa, considerando-a a prova mais penosa da sua vida.
O relato que escreveu teve vários títulos, mas é mais conhecido por Peregrinación al glorioso Apóstol Santiago de Galicia. Em forma de romance jocoso poético, é um testemunho erudito de um caminho de peregrinação que, naquele século XVIII, era percorrido por mendigos, pobres, miseráveis e pícaros de todos os géneros, alguns na expectativa de encontrar alimento e proteção, outros almejando apenas um rol de prazeres.
Por estradas difíceis e mal pavimentadas, Torres começou a sua peregrinação na companhia de criados, mas chegou a Braga sem calças e quase descalço, o que atesta a dureza do percurso e a escassez de pontos de apoio. A severidade do itinerário, a rudeza das gentes e a desolação da paisagem são os aspetos que mais perpassam no poema.
“La planta casi desnuda,
agria vía, y no calzada,
bien roto, y mal descosido,
sin calzones llegué a Braga”
Diego de Torres Villarroel (1745)
2 -Um caminho autêntico
Diego de Torres Villarroel escolheu um itinerário pouco documentado para realizar a sua peregrinação. Fê-lo porque existia caminho.
A dimensão histórica deste percurso é uma surpresa para os peregrinos atuais. Ele proporciona o contacto com antigos mosteiros e albergarias, onde os viajantes pernoitavam, e é servido por um número considerável de pontes medievais e modernas, evocadoras de antigas rotas de viagem. Pelo meio, há um conjunto impressionante de marcas do culto a Santiago, por vezes em lugares tão remotos que não pode deixar de causar espanto o impacto das tradições jacobeias na história do interior de Portugal.
O acesso a Lamego por sudeste, a travessia do rio Douro ou o acesso à estrada medieval que ligava Amarante a Braga, passando por Guimarães, são aspetos da autenticidade deste caminho e das suas profundas raízes na Idade Média.
3 – Um caminho ao encontro do ritmo da natureza
O Caminho de Torres proporciona a passagem por paisagens arrebatadoras, que surgem subitamente no percurso dos peregrinos.
Das planícies solitárias de Salamanca às míticas subidas da Falperra e da Labruja, passando pelos deslumbrantes socalcos do vale do Douro, o caminho desafia os peregrinos a caminhar ao ritmo da natureza. Prepare-se para enfrentar subidas penosas e realizar descidas acentuadas. Em ambas, o encanto da paisagem ficará na memória, tal como a sensação de se estar a trilhar um mundo à parte, marcado por antigos viajantes no coração setentrional de Portugal.
O ritmo da caminhada varia de peregrino para peregrino, mas adquire-se consciência de que é a natureza que impõe a cadência dos passos quando se avista uma autoestrada e se questiona a velocidade do mundo.
4- Um caminho repleto de patrimónios
O caminho passa por quatro sítios classificados como património mundial e seis catedrais. Mas são mais importantes as, por vezes, discretas heranças do ancestral culto a Santiago, como a mais antiga representação escultórica do apóstolo em Portugal, inscrita na fachada principal da igreja matriz de Sernancelhe.
É estruturante o património associado ao culto a Santiago e aos itinerários de peregrinação. O pórtico do perdão da catedral de Ciudad Rodrigo, o conjunto monumental de São Gonçalo de Amarante – lendário peregrino que promoveu a construção de uma ponte sobre o rio Tâmega para benefício dos viajantes – ou a igreja de Santiago de Braga são materializações impressivas da relevância jacobeia nestes territórios.
E há tanto mais… da ponte monumental de Ucanha à mais singela e despercebida ponte Cavalar, do forte de Nuestra Señora de la Concepción à cidade fortificada de Valença, da fonte de mergulho de Póvoa de Rei à fonte de Santiago em Braga, existe um imenso património que reflete as raízes históricas deste itinerário.
5- Um caminho mágico
O Caminho de Torres apela à comunhão com a natureza e ao conhecimento de antigos marcos patrimoniais neste itinerário jacobeu singular.
A diversidade da paisagem é um dos maiores atrativos, sucedendo-se as planícies de Salamanca, as vias pedregosas da Beira Alta portuguesa, as plantações de castanheiros em Sernancelhe e de macieiras em Tarouca, os socalcos verticais do Alto Douro e as vinhas alinhadas do Minho.
É um caminho de patrimónios monumentais, mas é também um itinerário repleto de valores imateriais, lendários e vernáculos, razões da densidade histórica do percurso.
6- Um caminho de superação pessoal
Ao longo de quase 25 dias de percurso, o Caminho de Torres desafia sucessivamente os peregrinos a conhecer os seus limites e a ultrapassá-los.
Os primeiros troços são solitários e escasseiam os pontos de apoio. É o ambiente propício para a comunhão com a natureza e para a introspeção. Ao entrar em Portugal, acentuam-se as dificuldades físicas, com subidas que se sucedem até alcançar o ponto mais alto, no Alto de Quintela, a quase 1000 m de altitude. Depois de dias de isolamento, espera-o o contacto com centros urbanos mais desenvolvidos que permitem uma maior partilha de experiências. Está a dias de abraçar o Apóstolo Santiago e as últimas etapas são de uma ansiedade expectante.
7- Um caminho literário
O caminho tem o nome de um célebre poeta, mas são mais os escritores que encontrará ao longo do percurso.
Em quase todas as sedes de concelho existem elementos de memória que recordam a importância de determinados escritores para aquelas localidades ou regiões. Camilo Castelo Branco (Pinhel), Afonso Ribeiro (Rua, Moimenta da Beira), Aquilino Ribeiro (Sernancelhe e Moimenta da Beira), José Leite de Vasconcelos (Ucanha, Tarouca), Miguel Torga (Lamego), Teixeira de Pascoaes (Amarante) ou Gil Vicente (Guimarães) são apenas alguns nomes dos muito escritores que deixaram profundas marcas nas terras onde nasceram ou às quais estiveram ligados.
Percorrer o Caminho de Torres é também desvendar esse fundo mais vasto da cultura literária portuguesa.
8- Um caminho de partilha
No Caminho de Torres, muitas etapas não dispõem ainda de albergues e os trajetos são longos e solitários. Deverá preparar-se antecipadamente para evitar problemas de desidratação ou para encontrar um sítio onde pernoitar. Por isso, o sentido da partilha adquire maior valor e os momentos de contacto com as populações locais rapidamente se transformam em episódios afetivos.
O Caminho de Torres é uma experiência única que o leva a conhecer a bondade da partilha ou a solidão do silêncio.
9- Um caminho de renovada atenção
Dois séculos e meio depois da peregrinação de Diego de Torres Villarroel, Luís António Miguel Quintales renovou o itinerário seguido pelo poeta. Em parceria com María Soledad Beato, estruturou o Caminho de Torres – caminotorres.com – como um percurso jacobeu moderno, reforçando a sua identidade própria através de vias afastadas do tráfego automóvel e que favorecem uma relação íntima com a natureza.
A este trabalho pioneiro sucedeu o projeto de valorização cultural e turística do Caminho de Torres, desenvolvido em parceria por cinco comunidades intermunicipais – Alto Minho, Ave, Cávado, Douro e Tâmega e Sousa – e envolvendo 14 municípios.
Iniciado em 2017, o projeto contemplou o levantamento, sinalização e beneficiação das infraestruturas de apoio deste itinerário, bem como a sua promoção e divulgação.
Com impacto sobre quase 235 km do Caminho de Torres, entre Ponte do Abade (Sernancelhe) e a travessia do rio Minho (Valença), o projeto assentou no aprofundamento da dimensão histórica do percurso, assim reforçando a sua autenticidade.
10- Um caminho de histórias
Faça parte deste caminho. Seja protagonista da História
Não há caminho sem peregrinos, da mesma forma que não existem peregrinos sem haver caminho. O projeto de valorização cultural e turística do Caminho de Torres parte da evidência de um caminho histórico de Santiago para gerar mais-valias culturais e turísticas que beneficiem os territórios por onde esta rota jacobeia passa.
São os peregrinos os verdadeiros agentes da História e a eles cabe deixar legado das suas experiências. Como Diego de Torres Villarroel fez.