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4 octobre 2022Guide LusoSup
4 octobre 2022Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, duas mulheres indígenas, foram eleitas deputadas federais no último domingo. Na câmara baixa do parlamento, foram também eleitas as duas primeiras mulheres transexuais, uma representando o estado de São Paulo e a outra o de Minas Gerais
A atenção mediática em torno das eleições brasileiras tem-se naturalmente focado na bipolarização entre os dois candidatos mais bem posicionados para alcançar a presidência do Brasil: Lula da Silva e o atual chefe de Estado, Jair Bolsonaro. Menos noticiado foi o enorme crescimento no número de candidaturas de elementos pertencentes a grupos sociais e étnicos tradicionalmente afastados da política brasileira, entre eles os povos indígenas, as mulheres negras e os cidadãos transexuais.
Este ano foram a votos 186 candidatos que se identificam como indígenas, um número que representa um aumento de 119% face ao número de candidaturas próprias na eleição de 2014. Divididos entre os boletins de voto para os vários possíveis cargos legislativos, de deputado estatal ou federal a governador, 30 deles foram apoiados oficialmente pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), uma associação brasileira que, segundo o seu manifesto, apresentou-se a jogo este ano para combater o “projeto político autoritário, ditatorial e fascista colocado em prática” por Bolsonaro para “destruir o Brasil”.
Uma das candidatas, Sônia Guajajara, foi eleita este domingo, somando 156 mil votos e tornando-se a primeira deputada federal indígena no estado de São Paulo, o mais populoso do Brasil. Guajajara é a atual coordenadora executiva da Apib e dedicou uma parte da sua vida à luta pela representação e afirmação política dos povos indígenas, missão que lhe valeu, em maio de 2022, a presença na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista norte-americana “Time”, sob a categorização de “pioneira”.
À eleição de Guajajara junta-se a de Célia Xakriabá – a primeira deputada federal indígena a representar o estado de Minas Gerais. A sua plataforma política, transversal a muitos dos candidatos apoiados pela Apib, foca-se na defesa do meio ambiente, dos direitos das minorias e das instituições democráticas, além da melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas, nomeadamente nos setores da educação e saúde.
No Twitter, Sônia Guajajara, eleita pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), à semelhança de Xakriabá, agradeceu a “confiança” dos eleitores de São Paulo e afirmou-se pronta para “construir um novo Brasil”.
Também histórica foi a eleição de Erika Hilton, a primeira mulher transexual a representar o estado de São Paulo como deputada federal. Hilton foi a segunda deputada mais votada pelo PSOL, com 243 mil votos, e continua assim uma carreira política que já a levou de deputada estadual à Câmara Municipal de São Paulo, onde esteve envolvida numa Comissão Parlamentar de Inquérito que visava analisar o tema da violência contra pessoas transexuais no Brasil.
Segundo as contas da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), “instituição que atua na defesa dos direitos da população de travestis e transexuais”, a comunidade trans contou com 79 candidaturas em 2022 a nível nacional, um número que contrasta de forma expressiva com as 53 candidaturas de 2018 – um aumento de 49%. A Hilton soma-se Duda Salabert, mulher trans eleita também para a câmara baixa do Brasil, desta feita representando o estado de Minas Gerais.
Em declarações ao site UOL Notícias, Salabert lamenta a veia conservadora do congresso, mostrando-se, contudo, esperançosa em relação ao novo ciclo político: “Tivemos avanço em candidaturas que se preocupam com o clima, como é meu caso, e de candidaturas que se preocupam com o social”.
Por sua vez, Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra, enaltece a importância desta eleição, dizendo ao UOL Notícias que o Brasil só tem a “ganhar e a aprender” com as duas novas deputadas. “Foram vitórias históricas, porque moramos no país em que 90% das travestis e transexuais estão na prostituição. Nossa expectativa de vida não supera 40 anos”, acrescentou.
Estas eleições viram também uma forte adesão de mulheres negras, um segmento social e racial cuja representação na política brasileira é proporcionalmente mais baixa do que o seu peso real na população do país. Dos 513 deputados federais eleitos em 2018, apenas 21 assumiram-se como negros, correspondendo a uma percentagem de 4% (valor baixo tendo em conta um estudo de 2016 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, cujos resultados apontam que 8,2% da população brasileira é negra).
Só nas regiões norte e nordeste foram a votos 36 mulheres negras, de acordo com as contas da associação “Enegrecer a Política”, uma das muitas organizações que se dedicaram em 2022 a promover as candidaturas.
Para além das dificuldades inerentes a gerir uma campanha eleitoral, todos os grupos acima descritos enfrentam entraves adicionais, sejam eles sociais, financeiros ou políticos. Primeiro, têm de navegar o clima de violência e polarização que se faz notar um pouco por toda a sociedade brasileira, mas que é particularmente sentido pelos candidatos pertencentes a minorias étnicas ou raciais. Num episódio ilustrativo desta realidade, Duda Salabert, que recebeu nove ameaças de morte durante a campanha, optou por vestir um colete à prova de bala quando foi exercer o direito de voto.
Depois, há a dimensão financeira. Informações enviadas à Justiça Eleitoral, instituição encarregue de administrar e salvaguardar o bom funcionamento do processo eleitoral, e vistas pelo jornal brasileiro “Jota”, notam que apenas 30% dos candidatos indígenas receberam verbas do chamado “Fundo Eleitoral”, um fundo público destinado ao financiamento de campanhas distribuído pelos vários partidos.
Texto de José Gonçalves Neves, editado por João Cândido da Silva
Fonte: expresso.pt