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4 avril 2018Nuno Gomes Garcia: «Ver uma cenoura a odiar uma beterraba, ambas antropomorfizadas, por causa da cor da sua “casca” é tão absurdo como um humano odiar outro humano por causa da cor da sua pele»
A Editora Oxalá, sediada na Alemanha e dirigida por Mário dos Santos, lançou uma coletânea de dez contos intitulada «Contos da Emigração : Homens que sofrem de sonhos». Os contos têm como temática principal a questão da emigração e a maioria das autoras e autores dos contos conhecem a vivência de uma pessoa emigrante. Para além destas vozes contemporâneas, o livro conta ainda com dois contos escritos por dois clássicos da literatura portuguesa: José Rodrigues Miguéis e Eça de Queiroz. O objetivo é, segundo Mário dos Santos[1], « mostrar que os problemas da emigração são muito parecidos independentemente da época».
As autoras e os autores desta coletânea residem em países tão diferentes como o Reino Unido, a Alemanha, a França e Portugal o que permite ter uma visão ao mesmo tempo particular, consoante o país de residência, mas igualmente encontrar as temáticas recorrentes e que são transversais a todas aquelas e todos aqueles que se encontram a viver fora do seu país de origem.
«O Sobrinho» é o conto da autoria de Nuno Gomes Garcia, escritor residente em França. A curta narrativa tem como particularidade o facto de a história se passar no País das Cenouras, terra para onde emigram as Cebolas e as Beterrabas, oriundas de países em crise. A Cap Magellan quis compreender os porquês por detrás dessa metáfora e conhecer um pouco melhor «O Sobrinho»:
Cap Magellan: Como acolheste o convite que te foi feito para participares na coletânea?
Nuno Gomes Garcia: Pensei imediatamente que era por uma boa causa. Não apenas porque os direitos revertem a favor da Plataforma de Apoio aos Refugiados, mas também por permitir a bons autores, quase todos expatriados, escreverem sobre um tema que inexplicavelmente é pouco tratado na literatura contemporânea portuguesa: a emigração. Um país que possui um terço dos seus cidadãos a viver fora do território português e que finge que a emigração não é uma componente estrutural da sua sociedade há mais de 500 anos está condenado a ser um país que não se compreende a ele próprio. Se Portugal tem 5 dos seus 15 milhões de nacionais a viver no estrangeiro, esse facto tem de se refletir obrigatoriamente na sua matriz cultural, nomeadamente na literatura.
CM: Porquê utilizar a metáfora dos legumes?
NGG: A minha escrita, acho que é visível em todos os romances que escrevi, leva-me sempre a expor as minhas inquietudes através da sátira e do “tremendismo”, no exagero. Ora, uma das coisas que mais me inquieta hoje na Europa é o regresso às questões identitárias, o recrudescimento dos nacionalismos protofascistas presentes em alguns governos e de outros componentes abertamente fascistas em algumas franjas da sociedade.
Como, a meu ver, não existe nada de mais ridículo, mesmo do ponto de vista da comicidade e do humor, do que um certo povo se sentir superior a outro, ou do que um ser humano odiar outro ser humano por causa da cor da sua pele, por exemplo… tendo isso em vista, eu tentei fazer a experiência de transportar toda essa problemática para o mundo dos vegetais.
Só para que o leitor compreenda que ver uma cenoura a odiar uma beterraba, ambas antropomorfizadas, por causa da cor da sua “casca” é tão absurdo como um humano odiar outro humano por causa da cor da sua pele, da religião ou da orientação sexual.
CM: A emigração é somente feita de mulheres e homens que sofrem de sonhos? Não achas que pode ser um pouco miserabilista como forma de apresentar a emigração?
NGG: Não creio que se possa reduzir os dez contos ao título da coletânea, que é por natureza subjetivo e que tem um certo pendor poético. O livro contém dez maneiras diferentes de olhar para o fenómeno da emigração. Dez contos que mostram as complexidades ligadas ao simples facto de trocar uma realidade social por outra. Se há emigrantes que realizam os seus sonhos, outros há que vivem autênticos pesadelos. O sofrimento, tal como as alegrias, são sentimentos inerentes à vida, logo também inerentes à emigração.
Luísa Semedo
[1] https://lusojornal.com/2018/03/26/nuno-gomes-garcia-conversa-com-mario-dos-santos/