Janvier : Forum emploi et Roadshow universitaire !
3 janvier 2020LusoSup : le Roadshow sur la présentation de l’offre de l’enseignement supérieur portugais
8 janvier 2020“A vista não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir.” Ec 1:8
Voando juntos e livres…
O sentimento amoroso é desde os primórdios das civilizações o tema mais recorrente nos textos literários, assim como na generalidade das produções artísticas. Romance, poesia, ficção, cinema, música, artes plásticas… todos fizeram deste enigmático batimento de coração um tema privilegiado. Desde sempre, o Homem sentiu-se impelido a tentar descrever e compreender esse fenómeno que tomava conta de si.
Na Grécia antiga, os sábios conceptualizaram o amor, encontrando quatro abordagens para um mesmo conceito: eros, que define o desejo, a paixão carnal; ágape, que descreve o amor desinteressado; storge, o amor pelos seus, de quem cuidamos; philia, a amizade, a afeição pelo outro. As diferentes interpretações e comentários ao longo da História tornaram o conceito mais difícil de cercear.
A tradição oral ameríndia oferece-nos alguns ensinamentos capazes de nos orientar. Uma lenda do povo Sioux, na América do Norte, aborda a questão do amor, do indivíduo e a noção de casal. Vejamos…
Um jovem casal temia que o compromisso que iriam selar, através do casamento que se avizinhava, pudesse vir a quebrar o amor incomensurável e firme que nutriam um pelo outro. Decidem pedir conselho ao velho feiticeiro da aldeia, para que este lhes desse um qualquer remédio ou sortilégio que tornasse o amor eterno. Perante o pedido dos jovens, e depois de muito refletir, o sábio lança-lhes um desafio.
Olhando para a jovem diz-lhe: «Se quiseres guardar para sempre este homem que amas deverás iniciar uma viagem. No cimo da colina que desponta, ali, no horizonte, deverás caçar o mais forte dos falcões e trazê-lo vivo até aqui, no terceiro dia após a lua cheia.» Depois, virando-se para o jovem diz-lhe: «A tua tarefa será difícil também. Parte para o cimo mais alto da nossa terra e, aí, caça a águia mais poderosa que encontrares.
Deverás trazê-la viva até aqui no mesmo dia que a tua amada.» Ambos partiram e no dia previsto regressaram com as presas. «E agora feiticeiro, o que devemos fazer? Sacrificá-los? E depois banharmo-nos no sangue destes animais?», perguntaram. «Atem uma das patas da águia a uma das patas do falcão. Assim estarão presas uma à outra. Libertem as aves a seguir para que possam voar livremente», retorquiu o velho sábio.
Assim fizeram, mas em vez de voar caiam desamparadamente no chão. Iradas e frustradas, as duas aves começaram a bicar-se, fazendo jorrar o sangue das suas carnes. O feiticeiro aproximou-se dos animais e libertou-os. «Eis o que devem reter do que acabaram de ver. Se se prenderem um ao outro, mesmo com todo o amor, acabarão inexoravelmente por se magoarem e por serem infelizes.
Se quiserem que esse amor perdure, então voem bem alto no céu, juntos, mas nunca presos. Porque o verdadeiro amor une mas não aprisiona…»
Amor é união. É liberdade. É compromisso, também. Livres, perduramos unos. Presos, sonhamos escapar a quem nos prende. Em muitos casos, é neste contexto que a violência se insinua, que ganha forma. Mas não só. A violência conjugal tem causado, pelo mundo fora, milhares de vítimas mortais todos os anos. Entre elas conta-se uma esmagadora maioria de mulheres.
É a parte tristemente visível dos dramas que secretamente acontecem por trás das paredes de muitos lares. A frieza das estatísticas mostra-nos também que a questão não é apanágio de casais mais velhos ou mais novos: o problema é intergeracional. Mas a violência num casal não começa com a primeira agressão física. Inicia-se bem antes, através de humilhações, de um qualquer domínio insidioso sobre o outro, de violências psicológicas, preparando assim o terreno para uma primeira investida física. É um longo percurso no qual se inserem homens e mulheres.
6Amor é união. É liberdade. É compromisso, também. Livres, perduramos unos. Presos, sonhamos escapar a quem nos prende.
Concomitantemente (mas sem ligação qualquer) decorreram dois eventos de relevo para a questão das relações humanas. No Palais de la Découverte, em Paris, tem lugar até 30 de agosto de 2020 a exposição Amour. Partindo de trabalhos artísticos e científicos, a exposição questiona este tema simultaneamente tão retratado e insondável. O que é o amor? O afeiçoamento, uma ligação que protege e que liberta.
O amor pelas redes sociais. De que forma o amor se manifesta no corpo? As provas de amor. Como se constrói a sexualidade? Muitas questões e muitos temas que a exposição aborda. Esclarecer o que se joga nas relações amorosas que construímos, não será parte da resolução do drama que constitui a violência doméstica? Por outro lado, perto de 50 mil pessoas desfilaram no dia 23 de novembro, nas ruas de Paris, contra a violência diária que é feita a várias centenas de milhares de mulheres.
Muitos cartazes se espraiavam pelas artérias da capital francesa, nas mãos de mulheres orgulhosas da luta a que davam corpo. Lemas humorísticos, outros revoltados, alguns mais extremados. Mas todos legítimos. Uma solidariedade feminina a que se juntou o apoio de muitos homens.
Todos com palpitações que, como diria Chico Buarque de Holanda, pulsam do lado esquerdo do peito. O apoio masculino é imprescindível porque a mudança que se pretende e que urge concretizar não pode prescindir de metade da questão…
Miguel Guerra – Professor de História
SIP – Liceu Internacional de Saint-Germain-en-Laye
SIP – Liceu Alexandre Dumas de Saint-Cloud
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