Entrevista exclusiva com o Dr. Mário Campolargo, Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa
8 décembre 2023Interview exclusive avec le musicien Fernando Del Papa
15 décembre 2023O último filme documentário de Ana Sofia Fonseca, Cesária Évora, la diva aux pieds nus, estreou em França no dia 29 de novembro. Durante 1h34, seguimos o percurso da grande cantora, da pobreza à celebridade, que conheceu tarde e que não a impediu de ser uma humana inteira e cheia de generosidade. A realizadora portuguesa veio à capital para fazer a promoção da longa-metragem e ofereceu à Cap Magellan uma entrevista exclusiva.
Cap Magellan: Boa tarde Ana Sofia Fonseca, espero que esteja tudo bem consigo. Agora encontra-se em França para a estreia do seu filme Cesária Évora, la diva aux pieds nus, que estreia no dia 29 de novembro. Como acha que os franceses vão receber o filme?
Ana Sofia Fonseca: Não sei, vamos ter que esperar. Espero que recebam bem. Para mim é muito especial partilhar o filme aqui, porque, para a Cesária Évora, França era muito mais do que só um país, era a sua segunda casa. Cesária tinha uma relação e um afeto especial pela França. Costumava dizer que, se não fossem os franceses, não teria tido sucesso, que foi aqui que tudo começou.
Cap Magellan: Como é que explica este carinho da Cesária Évora pela França?
Ana Sofia Fonseca: Tem a ver com o facto dela saber que é aqui que começou a ter sucesso. A Cesária já cantava há muitos anos quando, finalmente, deixou de cantar à troco de quase nada. Aqui a Cesária começa a ter uma carreira de sucesso. Começou na França talvez porque a França tinha um interesse especial, foi aqui que se desenvolveu muito da world music naquela altura, nos anos 90.
Cap Magellan: Quando é que começou a trabalhar sobre este projeto?
Ana Sofia Fonseca: Comecei a trabalhar no filme em 2017. Foram 5 anos de trabalho intenso.
Cap Magellan: Porque é que decidiu contar a vida da Cesária Évora ?
Ana Sofia Fonseca: Primeiro porque, para trabalhar sobre um tema, preciso de ter curiosidade. Tinha curiosidade em saber mais sobre a Cesária Évora. Acho que a curiosidade é sempre um bom berço. Depois, porque gosto de contar histórias, sobretudo histórias de mulheres. A Cesária tem uma história fascinante: é uma mulher com toda a complexidade humana, é uma diva de carne e osso. Torna-a uma personagem extremamente interessante. A sua história vai além da história típica da pessoa muito pobre que consegue dar a volta e ter muito sucesso. Ela é realmente um exemplo da complexidade humana. É uma história inspiradora, no sentido em que nos mostra que a vida de qualquer um pode mudar a qualquer instante, independentemente de onde se vem, mas também no sentido em que nos mostra a importância de derrubar preconceitos. A Cesária tem em si-mesma uma série de preconceitos quando atinge o sucesso: estamos a falar de uma mulher, negra, pobre, com mais de 50 anos e sem a beleza que as revistas nos dizem que as celebridades devem ter, vive em África, etc. Tem uma série de preconceitos e ainda assim consegue quebrá-los e conquistar o mundo inteiro! Mas a sua história vai além disso, porque estamos a falar de uma mulher a quem o sucesso nunca subiu à cabeça, com uma generosidade sem fim e que tem em si toda a complexidade humana, com as suas fragilidades, as suas fortalezas, e isso faz dela, como já disse, uma diva de carne e osso, muito interessante. Noutro lado, foi uma mulher com uma série de preconceitos que nos leva a outro assunto: a questão de não perdermos empatia para com o outro. Se houvesse mais empatia talvez também haveria menos problemas.
Cap Magellan: Afinal, qual é o objetivo principal do filme?
Ana Sofia Fonseca: O objetivo deste filme é dar a conhecer a mulher, a artista, mas penso que é importante conhecer a mulher para compreender melhor a voz. A voz da Cesária é um pouco o retrato da vida dela.
Cap Magellan: Parece-me que hoje em dia Cabo-Verde é cada vez mais representado, nomeadamente na lusofonia. Acha que é um país pelo qual toda a gente pode se apaixonar? Como vê essa ascensão da representação de Cabo-Verde?
Ana Sofia Fonseca: Cabo-Verde é um país apaixonante, sem dúvida alguma. Conjuga uma natureza, que nos deixa sem palavras muitas vezes, com a natureza das pessoas. São belezas que se cruzam e que se exponenciam. Depois temos a música. Acho que é muito difícil alguém ir a Cabo-Verde e não se apaixonar.
Cap Magellan: Como é que conseguiu encontrar todas as imagens que podemos ver no filme?
Ana Sofia Fonseca: Foi um processo longo, trabalhei durante 5 anos no filme. Para mim é importante que as pessoas que vão ao cinema possam sair de lá a sentir que estiveram durante 1h34 com a Cesária Évora. Para isso, precisava de imagens de arquivo, precisava ter a Cesária Évora na primeira pessoa. A minha equipa e eu começámos um trabalho de procura de arquivos. Não são só vídeos: são fotografias, arquivos sonoros, falamos com centenas de pessoas em diferentes países, etc. Foi fantástico! Mesmo se, na maior parte das vezes, não encontrávamos nada. Cada vez que encontrávamos um arquivo era uma festa.
Cap Magellan: Como é que escolheram o caminho da narrativa?
Ana Sofia Fonseca: Para nós era importante ter a Cesária como um todo, com toda a sua complexidade, que é o que a torna tão humana. Não escondemos os aspetos da vida da Cesária, é um filme intimista, mas não é voyeurista. As pessoas falam muito do álcool. Para mim, o que é mais importante no filme é quebrar o mito de que a Cesária bebeu a vida inteira. Há muito a ideia de que a Cesária bebia imenso e que continuou a beber até ao final da vida. Não, houve um dia no qual decidiu parar de beber e é o que faz no mesmo dia.
Acho que o filme mostra que era uma mulher realmente livre nas suas decisões e que quando decidia algo ninguém a fazia mudar de ideia.
Cap Magellan: Acha que podemos falar de feminismo?
Ana Sofia Fonseca: O que é curioso é que a Cesária não conhecia expressões como feminismo, empoderamento feminino, etc. Não fazia discursos, não se metia em política. Acho que era feminista na sua natureza, na sua forma de ver a vida. Nem conhecia a expressão, não falava disso, mas vivia essas lutas no seu dia-a-dia pela sua forma de estar.
Cap Magellan: Pode inspirar jovens mulheres como eu.
Ana Sofia Fonseca: Espero que sim. Numa altura em que estamos a regredir em tantas coisas, espero que as mulheres não percam a noção de que a liberdade é um valor essencial. Ninguém pode abdicar dos seus direitos, da sua igualdade e as mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer, e têm de o fazer.
Cap Magellan: Como é que o filme foi recebido em Cabo-Verde e em Portugal?
Ana Sofia Fonseca: O filme esteve nos cinemas portugueses em outubro/novembro do ano passado. Correu muito bem! Foi o documentário mais visto do ano. Temos tido a sorte de poder partilhar o filme em países onde realmente faz sentido: Portugal, Cabo-Verde e agora França! Em Cabo-Verde foi lindíssimo: poder voltar a ouvir a voz da Cesária, não a cantar, porque isso acontece frequentemente, mas a falar. O filme foi projetado ao ar livre e o vento tão típico de São Vicente encarregou-se de levar a voz da Cesária pela ilha.
Cap Magellan: Como é que reagiu a família da Cesária Évora?
Ana Sofia Fonseca: A família da Cesária, incluindo a neta e o José da Silva, amigo e manager, viram o filme em Lisboa na ante-estreia. Foi uma emoção. Não sabia o que iriam pensar do filme! Quando vi-os a rir e choramingar, percebi que estavam a gostar, ou pelo menos a sentir algo, e a reação deles foi mesmo muito positiva!
Cap Magellan: A neta, a Janete, fala de bipolaridade. Acha que é algo que podia mesmo ter a Cesária?
Ana Sofia Fonseca: Falamos de questões mentais no filme de uma forma muito subtil. Não define a personalidade da Cesária, é uma característica pela qual devemos olhar sem preconceitos. Sei que nunca tinha sido falado, que é a primeira vez que falamos da saúde mental da Cesária neste filme. Mas é um dos muitos aspetos da vida dela.
Cap Magellan: Porque é que as pessoas devem conhecer a vida da Cesária Évora?
Ana Sofia Fonseca: Normalmente as pessoas têm curiosidade em conhecer a vida dos grandes artistas. Este é um percurso diferente dado a Cesária, dado as suas características, dado a idade com a qual começou a ter sucesso, etc. Às vezes custa-me as pessoas verem a história da Cesária com as lentes europeias. Ela não tinha essas lentes. A Cesária vive a pobreza aceitando-a, e aceita igualmente a fama. Acho que é importante conhecermos histórias de mulheres fortes e olharmos pelos outros. Estamos a falar de uma pessoa que pôs o seu país no mapa, que trouxe o gênero musical que é a morna para o mundo inteiro. Hoje a morna é patrimônio imaterial da humanidade muito graças a ela. Portanto tem mesmo algo para contar.
Cap Magellan: Agora que fez tantas pesquisas sobre ela, não tem o sentimento de conhecê-la sem a ter conhecido?
Ana Sofia Fonseca: Imenso! Parece que é alguém da minha família, é estranho. Passei tantas horas, tantos dias com ela… Gostava de poder ir jantar uma cachupa com ela agora.
Cap Magellan: O que podemos esperar para os próximos filmes?
Ana Sofia Fonseca: Vou continuar a trabalhar temas que me interessam bastante, ligados ao racismo, à identidade, com pontos também Europa/África.
Cap Magellan: A última é a pergunta que faço sempre no final das minhas entrevistas: tem uma mensagem para os jovens lusodescendentes?
Ana Sofia Fonseca: Cesária começa a ter sucesso numa época em que os imigrantes cabo-verdianos têm os piores empregos e vivem nos piores bairros. Os portugueses são um povo de imigrantes. A Cesária é uma pessoa do povo que conseguiu conquistar o mundo inteiro, o que transmitiu orgulho ao povo cabo-verdiano que, de repente, teve um deles nas maiores salas do mundo.
Desejo que sigam os seus sonhos. Trazem na bagagem uma coisa linda que é duas culturas. Quanto mais culturas tivermos, melhor. São franceses, portugueses: que sejam cidadãos do mundo! Isso é sempre uma mais-valia e é passaporte para conseguir caminhar pelo mundo com uma outra abertura.
Cap Magellan: Muito obrigada! Desejamo-lhe muito sucesso.
Convidamos toda a gente a ir ver Cesária Évora, la diva aux pieds nus, em todos os bons cinemas franceses.
Segue também Ana Sofia Fonseca nas suas redes sociais: Instagram, Facebook e LinkedIn.
Entrevista realizada pela Julie Carvalho,