Cap Magellan et ses partenaires étaient présents au salon “Partir Étudier à l’Étranger” les 7 et 8 octobre à Paris (France)
17 octobre 2023Cap Magellan lance les Ateliers DSE Parcours PRO !
20 octobre 2023Do dia 11 ao dia 15 de setembro de 2023, a escritora Isabela Figueiredo esteve em França para encontrar os seus leitores e promover a tradução em francês pela editora Chandeigne do livro A Gorda. A Cap Magellan esteve presente em Paris na livraria LibraLire na terça-feira dia 12 de setembro e tivemos o prazer de entrevistar Isabela Figueiredo.
Cap Magellan: Boa tarde Isabela. Espero que esteja tudo bem contigo. Estamos em Paris na livraria LibraLire para um encontro contigo e para uma apresentação do teu livro A Gorda que foi traduzido e publicado pela editora Chandeigne em francês sob o título La Grosse. Foi uma vontade pessoal fazer traduzir os teus livros para francês e vir à França para encontrar os teus leitores franceses?
Isabela Figueiredo : É um prazer para mim estar com os leitores. Depois de escrevermos sozinhos na nossa casa em solidão, tenho muita curiosidade em falar com os leitores, conhecer, ouvir a opinião, as diversas opiniões sobre a mesma coisa. A opinião das pessoas não é sempre a mesma como é óbvio. Umas gostam de uma personagem, outras de outra. é muito interessante ver as reações das pessoas, o amor e o ódio àquilo que nós criamos. Além disso, gosto de estar com as pessoas. Estou muito curiosa da mente e da pessoa humana.
Depois, França é uma ambição muito grande para um escritor português. é difícil para um escritor português entrar no mercado francês. Já fui finalista do prémio femina com o Caderno de Memórias Coloniais. Fiquei muito honrada com esta distinção. Claro que me deu coragem para fazer mais e fazer melhor. França para mim é um território muito importante, até porque também sou influenciada por escritoras e escritores franceses: Marguerite Duras, Marguerite Yourcenar, Virginie Despentes, Annie Ernaux, Victor Hugo, Baudelaire, os poetas maudits, etc. Na minha geração, a literatura francesa era a literatura dominante, tal como a língua francesa. Aprendi francês na escola. Nos anos oitenta era a primeira língua falada e aprendida em Portugal. Para nós era muito importante, tínhamos de saber.
Cap Magellan: É uma honra então ser traduzida em francês?
Isabela Figueiredo : É! E estar aqui em França, ver os meus livros nas livrarias é uma honra. Jamais pensei!
Cap Magellan : É o teu segundo livro traduzido para francês, o primeiro sendo Caderno das Memórias Coloniais. Os dois têm um tema em comum que é o retorno das antigas colônias portuguesas. Como retornada, o que querias transmitir como mensagem ao leitor?
Isabela Figueiredo : Para as pessoas da vossa idade, o retorno é um fenômeno pouco desconhecido. Somos uma espécie de exilados, porque vivemos nos países africanos que pertenciam à administração portuguesa e que passaram a ser países independentes após a revolução do 25 de abril. Foi uma transição muito rápida, não preparada e que acabou por ter resultados bastante violentos para nós portugueses que saímos daquele território, a correr, cheios de medo. Tivemos que fugir para manter a nossa vida, tínhamos medo da vingança contra nós. Causou-nos muito trauma, sobretudo porque não fomos bem recebidos pelos portugueses, que nos consideravam racistas colonialistas, o que é verdade.
Tinham muita pouca vontade de nos receber, fomos muito maltratados, como qualquer pessoa que vem de fora, um emigrante que é uma ameaça… Pensamos nos imigrantes como pessoas que vêm tirar trabalho. Nós também éramos vistos desta maneira em Portugal. Éramos vistos como estrangeiros que tinham muitas habilitações, até mais do que em Portugal. Do ponto de vista financeiro, vivia-se bem em África, então todas as pessoas tinham estudos e estavam muito bem habilitadas para trabalhar. Tínhamos capacidade para ocupar montes de trabalhos que existiam em Portugal. Tornou-nos indesejados, fomos maltratados. Algumas pessoas, como eu, escondiam o facto de serem retornados, para não serem discriminados. Causou um grande trauma. A minha obra tem de refletir os meus traumas.
A arte reflete o que está na nossa alma, a nossa sombra e a nossa luz. A parte sombra que tem a ver com esse trauma de desalojamento, de ter ficado sem os meus pais, etc. tem que se encontrar na minha obra. O trauma da separação é importante na minha obra, aparece. Acho que ainda não terminei com este tema. No próximo livro ainda vão ouvir falar do retorno. Não é um tema tratado historicamente.
Cap Magellan : A tua primeira obra é autobiográfica, mas A Gorda é um romance não é?
Isabela Figueiredo : É uma autoficção, o que significa que nos baseamos na nossa vida real e inventamos, criamos por cima, desenvolvemos mais um assunto real, criando mais ficção, etc.
Cap Magellan : Qual é o limite entre os dois?
Isabela Figueiredo : Não ha limite. Também não quero abrir o jogo, não quero dizer a verdade. Não quero dizer qual é a parte verdadeira e qual é a parte falsa. Já me aconteceu muitas vezes pessoas pensarem que o falso é verdadeiro e que o verdadeiro é falso. Adoro isso! Então não digo nada, mesmo se algumas coisas são difíceis de esconder: fui uma mulher gorda, fiz uma cirurgia para a redução do peso, vim de África como a Maria Luisa, tive um namorado que teve vergonha de mim por ser gorda, etc. Algumas coisas são totalmente inspiradas na minha vida real, mas depois também há ficção.
Cap Magellan : Foi importante para ti escrever sobre o peso, o facto de ser gorda, que é o título do livro. Porquê? E porquê insistir também sobre as relações?
Isabela Figueiredo : Quando era gorda, sentia que as pessoas me tratavam como se tivesse uma deficiência física. As pessoas com deficiência física não merecem ser maltratadas. Porque é que as pessoas com algo diferente, fora do convencional, são postas de parte? Isso é uma discriminação que tem que ser dita. Queria muito falar sobre isso, porque a forma como fui tratada magoou-me. Gosto de escrever sobre assuntos difíceis. Acho que estou cá para isto: para tocar na ferida.
Cap Magellan : A obra trata de muitos assuntos: o retorno, o peso, as relações amorosas, a relação familiar, as diferenças de gerações e também a morte dos pais. Qual é o tema mais importante? A mensagem principal que queres transmitir?
Isabela Figueiredo : A força, a resiliência para ultrapassar todos os obstáculos que a vida tem, porque a vida tem muitos. Apesar de sermos frágeis, somos também fortes. Um dia somos frágeis, o dia a seguir somos fortes e somos capazes de ultrapassar esses obstáculos. O que quero muito destacar é a coragem, a força que nos permite, apesar de tudo, de chegar mais além, de continuar a caminhar mesmo se as pessoas criticam.
Quando era professora dizia muito: “não interessa o que os teus colegas dizem de ti, esquece! Consegues ser alguém apesar do que eles dizem. Não interessa o que eles dizem, não vale nada”.
Cap Magellan : A casa é uma parte central no livro. O que é que acrescenta à história contá-la do ponto de vista da casa?
Isabela Figueiredo : Acho que a minha casa, a casa que herdei da minha mãe, tem realmente um coração que bate. Aquela casa tem vida. Transforma-se numa personagem que respira, que tem uma dimensão simbólica importante. Gosto de estar em casa. Acho que a casa é um espaço de proteção, um refúgio. Tendo Maria Luisa perdido tanto peso, ficando frágil, sem a armadura e a almofada do peso, quiz dar-lhe a almofada da casa, que aparece como um lugar de proteção.
Cap Magellan : Recebeste vários prémios desde que começaste a escrever. Estavas à espera? O que sentes quando recebes um prémio?
Isabela Figueiredo : Não espero prémios, mas se os receber aceito-os com humildade e com honra, por respeito à literatura e a todos os escritores que li, que me influenciaram e que me emocionaram, transformando os meus dias maus em dias bons. A literatura merece ser honrada todos os dias. Não espero nenhum prémio, mas se vier abraço-o com carinho.
Cap Magellan : O que significa para um autor receber um prémio?
Isabela Figueiredo : Validação dos nossos pares, da academia. Um livro premiado é um livro que recebe um selo de qualidade. Representa uma validação oficial. Não sou apenas eu que confio no meu livro, há outros que gostam e confiam. Isto é importante. Precisamos disso.
Cap Magellan: Também publicaste um terceiro livro, que esperamos poder ler em francês daqui a um ano e meio. Qual é a sua história?
Isabela Figueiredo : É mais um toque na ferida! É um livro sobre consumismo, veganismo e ética animal, sobre a forma como nós consumimos mais do que precisamos, sobre a forma como vivemos uma vida de escravidao para poder comer e sobre a forma como tratamos os animais como se fossem coisas, objetos numa linha mecânica e industrial. Os animais não são isto. São seres com sensibilidade. É um livro bastante vegan, muito para este tempo, para as novas formas de pensar, para a tua geração. É um livro que questiona muito a forma como tratamos os animais, como nós consumimos exageradamente. A personagem principal é um homem que vive do lixo que recupera.
Cap Magellan : Como é que foi recebido em Portugal?
Isabela Figueiredo : Com muito sucesso!
Cap Magellan : Admiro ver uma pessoa que não é da minha geração falar daqueles assuntos.
Isabela Figueiredo : Embora tenha 60 anos, sinto-me sem geração. Sou da tua geração, sou da minha, sou de várias gerações. Quero conversar convosco, saber como é que vocês pensam. Quero envelhecer fisicamente, porque é normal, mas quero que a minha mente, o meu pensamento esteja sempre jovem e sempre de acordo com o que é justo, correto e bom para o mundo.
Cap Magellan : Estás a preparar algum livro ou um projeto?
Isabela Figueiredo : Não falei a ninguém sobre ele! Vou dar um spoiler: vou voltar a falar do meu pai.
Cap Magellan : O que é que podemos desejar-te para o futuro?
Isabela Figueiredo : Poder desejar-me muito tempo livre, que alguém me venha trazer a comida feita à casa para eu nao ter que a fazer, que arranjo um empregado para me limpar a casa para não ter que limpar, etc. Deseja-me tempo para escrever
Cap Magellan : A minha última pergunta é a pergunta que faço em todas as minhas entrevistas: tens uma mensagem para os jovens lusodescendentes?
Isabela Figueiredo : Quero dizer a estes jovens que tenham muito orgulho pela coragem dos vossos pais procurarem uma vida melhor fora de Portugal. Foi um passo que tomarem para construir o vosso futuro. Hoje têm uma vida melhor graças ao sacrifício que fizeram de vir para um país estrangeiro, cuja língua, na maior parte dos casos, não conheciam. Forçaram-se em trabalhos que os franceses não queriam fazer, pensaram no vosso futuro. Portanto, honrem os vossos pais, não os metam em lares de terceira idade. Não se esquecem deles, tratam deles, porque são pessoas que pensaram no vosso futuro.
Cap Magellan : Muito obrigada Isabela. Espero que voltaremos a ver-nos em dezembro quando voltaras para França!
Nao hesitem em ir comprar La Grosse e Carnet de Mémoires Coloniales, de Isabela Figueiredo, na editora Chandeigne.
Consultem o site da Chandeigne para mais informações, a conta Instagram da editora ou a conta Instagram da autora
Entrevista realizada por Julie Carvalho,
Membro da Tempestade 2.1
e estudante de M1 na escola ISMaPP.