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5 mai 2017Entretien avec Nelson Freitas
16 mai 2017Esta semana, estreia nos cinemas franceses o último filme do realizador português, a viver atualmente na Áustria, Hugo Vieira da Silva. “Posto Avançado do Progresso” foi apresentado no prestigiado Festival de Berlim e é uma adaptação da obra homónima de Joseph Conrad (1897). A ação do filme passa-se no final do século XIX, no momento em que dois colonizadores portugueses desembarcam nas margens do Rio Congo para coordenarem um posto comercial de marfim. Filmado em Angola, o filme conta com a participação de atores portugueses e angolanos.
Cap Magellan – Há uma constante nas tuas três longas metragens que é a viagem para um país estrangeiro, ora da Alemanha para Portugal em Body Rice (2006), de Portugal para a Alemanha em Swans (2011) e de Portugal para o Congo (2017) neste teu último filme, Posto Avançado do Progresso, que apresentas agora em França. Os personagens são, portanto, estrangeiros ao local onde decorre a ação do filme e isso tem incidência na narrativa. Tu próprio vives no estrangeiro. Podes-nos falar um pouco dessa constante, é uma temática consciente?
Hugo Vieira da Silva – Sim, agora talvez seja mais consciente, tem a ver com a minha própria condição pessoal de ter saído de Portugal, mais ou menos, há dez anos. O primeiro e o segundo já refletiam muito essa condição de ir para fora, com pessoas deslocadas do seu lugar, que são confrontadas com um espaço diferente. Este terceiro, esta ida a África tem muito a ver com esta distância que eu tenho de Portugal e que me permite ter um olhar diferente do país. Desde que vivo fora e talvez por ser diariamente confrontado com uma cultura diferente daquela de onde venho, coloca-se a questão de o que é que me define, o que é carrego da minha cultura de origem. E olhando para Portugal o que se tornou mais nítido, mais claro, foi perceber como as pessoas funcionam, porque se organizam de determinada maneira, porque as relações são assim e não de outra forma, contrastando com o país onde eu estou.
CM – Mas porque escolheste esta temática da colonização que é, ainda hoje, polémica e é uma questão pesada e complexa na sociedade portuguesa?
HVS – A relação com África é algo que marca profundamente, ainda hoje, a cultura portuguesa. Mesmo que a minha geração já não seja muito consciente disso porque nasceu virada para uma ideia de Europa, a colonização ainda marcou profundamente os nossos pais e está de tal maneira integrada na ideia de mestiçagem, nas relações de poder, é ainda uma questão muito ambígua e isso influencia a maneira de estar de Portugal. E eu nestes últimos anos tenho-me interessado muito por temas relacionados com a questão colonial, a relação com o continente africano, procurando-me a mim próprio, e isso levou-me a África. E pareceu-me evidente porque o pensamento era muito polarizado, ou uma coisa muito anticolonial que foi necessário num ponto. Ou então muito pro-colonial no outro extremo. Queria trazer as coisas para um nível, onde é possível deixar esta polarização de lado e pensar de forma mais desprendida sobre o que é que significa estas relações todas sem o calor ideológico. E surgiu a necessidade de fazer o filme e confrontar-me com essas questões. Eu acredito que, de alguma forma, a história se projeta muito de uma forma intergeracional, fica nos corpos e nos comportamentos, podemos dizer que não temos responsabilidade nenhuma na história portuguesa que já passou, ou que não temos nenhuma relação, diretamente não, mas uma pessoa não pode fugir aos efeitos. E falo de reflexão no sentido de pensar qual é a sociedade que queremos para agora, para hoje, e não tanto procurar uma verdade histórica, porque a história tem sempre um lado um pouco ficcional, é uma visão dos valores e das ideias do momento.
CM – Como sabes houve há pouco tempo uma polémica em relação à visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao Senegal, na ilha de Gorée, onde ele não pediu desculpas pela Escravatura como outros líderes o haviam feito anteriormente, e minimizou o papel de Portugal nesse comércio de escravos. Entretanto foi redigida uma carta aberta de protesto iniciada pelo Professor universitário Pedro Schacht e assinada por vários intelectuais portugueses. O que te inspira este episódio recente?
HVS – Isso é a esfera política, mais mediática. Se é necessário pedir ou não desculpas isso não sei, mas trazendo para o nível da educação, o que é verdade é que a história que eu ainda estudei na escola era profundamente ideológica numa perspetiva muito unidimensional. Ainda estava imbuída de ideologias antigas, Gilberto Freyre, etc. Não podemos hoje ainda falar de descobrimento do Brasil, ou falar de comércio de produtos, falando dos escravos. É preciso refletir e meter noutra perspetiva; abrir a outros pontos de vista, dar subjetividade também aos outros povos. São dados que as pessoas ignoram mas os portugueses quando chegaram ao Reino do Congo no séc; XV, depararam-se com um grande reino e que em termos de desenvolvimento socioeconómico estava quase ao nível do Portugal europeu dessa época.
Seria importante abrir a história também à perspetiva da historia contada do lado africano, há uma perspetiva que passou também pela transmissão oral que é igualmente interessante.
CM – Algo que me marcou foi a violência latente em certas cenas, que advém da relação de poder radical entre o colonizador e o colonizado. Pois temos a impressão que pode degenerar a qualquer momento. Penso por exemplo na cena em que o colonizador brinca com os nativos e pega num fisicamente mais frágil ao colo. À partida seria uma cena simpática, mas tendo em conta o contexto transforma-se numa cena arrepiante e tensa. Como foi gerir a questão da violência neste filme, pois imagino que é necessário encontrar um equilíbrio entre não minimizar o que aconteceu e ao mesmo não chocar demasiado para não provocar uma reação de rejeição.
HVS – Sim, foi uma questão que me preocupou. Acho que mostrar unicamente pelo choque é uma má estratégia, é um pouco fácil. As relações de poder também podiam ser subtis, e por vezes era necessário haver alguma forma de compromisso, e não passavam forçosamente só pelo cortar mãos como fazia o Leopoldo no Congo belga. Há também relações ambíguas, alguma forma de compromisso com as populações locais e alguma forma de cumplicidade ou de paternalismo, mas era sempre uma relação de poder, claro. A violência às vezes é mais psicológica, até porque a física, aqui já se está num momento em que a escravatura oficialmente já foi abolida, apesar de ainda existir em certas partes do Congo, ou se ter alterado em formas mais subtis de exploração. É um momento de transformação em que se passa da exploração física do escravo para uma exploração capitalista, é uma troca de relação que depois define, ainda hoje, o mundo global. Até porque África foi um continente colonizado fisicamente, mas ainda hoje o é economicamente, é um continente ainda dependente de uma indústria internacional que explora as suas matérias-primas e atira o lixo para esses países. E isso é um problema que tem uma relação com a época do colonialismo.
CM – Qual é a mensagem, as imagens, que gostarias que os espectadores guardassem deste filme?
HVS – Gostaria que colocassem a questão num outro nível, o que significa tentar percecionar, de alguma forma, a ambiguidade da natureza humana, que gera situações muito negativas, que provoca dor, nestas relações de poder, mas acho que a única forma de melhorar a relação humana é de perceber a sua ambiguidade. Porque enquanto não se perceber isto vamos estar a construir erros em cima de erros que dão origem a políticas erradas, a economias erradas, e isso também para o lado angolano, não se pode construir na base de a culpa é unicamente do colonialismo, é também, mas não só, as pessoas têm igualmente responsabilidade em decidir o mundo onde querem viver. E vejo estas questões nas reações ao filme. Uns acham que não é suficientemente anticolonialista, outros que é assim que as coisas devem ser expostas.
Agradecemos a disponibilidade e simpatia de Hugo Vieira da Silva e convidamos os nossos leitores a descobrirem a seu novo filme Um Posto Avançado do Progresso.
Luísa Semedo