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30 août 2017Entretien avec trois jeunes entrepreneurs
11 septembre 2017As leis de defesa dos direitos da população LGBT progrediram de forma substancial em vários países, nomeadamente em Portugal e França, no entanto o crescimento dos populismos e extremismos veio contrabalançar esse progresso.
Passaram setenta e dois anos desde o fim da IIa Grande Guerra Mundial que pôs fim ao nazismo de Hitler e nomeadamente aos campos de concentração onde foram exterminados, entre outros, judeus, ciganos e pessoas LGBT.
Atualmente, na Europa, os partidos da extrema-direita têm cada vez maior expressão eleitoral e mediática. Em Agosto os Estados Unidos viram ressurgir de forma aparatosa grupos de fascistas, neo-nazis, membros do Klu Klux Klan que protestaram nas ruas de forma violenta o que resultou em mortos e feridos, sem que o Presidente americano Donald Trump os condenasse de forma rápida e definitiva. Para além da violência quotidiana de que é alvo a comunidade LGBT, em 2016 também nos USA teve lugar o massacre de Orlando onde foram assassinadas quarenta e nove pessoas na discoteca Pulse, por motivos de ódio homofóbico. Em 2017 assistimos, igualmente, à perseguição, encarceramento, tortura e assassinato da população LGBT por parte das autoridades da Chéchenia. Apesar dos enormes progressos que foram feitos em matéria de direitos da comunidade LGBT, estes acontecimentos servem de alerta para o facto de que nada está garantido, que o retrocesso é sempre possível. Mostra-nos igualmente que ter leis que protegem os cidadãos não é suficiente, é um passo importante, mas que não impede a violência, a desigualdade e a discriminação quotidiana. Este caso é particularmente visível em Portugal que tem uma das legislações mais avançadas do mundo nesta matéria, e, portanto, ainda muito resta a fazer para mudar as mentalidades. Há poucas semanas o cirurgião português de renome, Gentil Martins, não se coibiu de declarar numa entrevista que a homossexualidade é “uma anomalia. É um desvio da personalidade. Como os sadomasoquistas ou as pessoas que se mutilam.[1]” tendo sido defendido por muitas vozes através do argumento falacioso da liberdade de expressão. Ora, os discursos de ódio, de discriminação, de intolerância não fazem parte da categoria da opinião livre mas de incitação à violência e à intolerância e podem e devem ser condenados pela lei.
A França também está no topo dos países com as leis mais protetoras da população LGBT e portanto as manifestações de oposição ao casamento homossexual em 2012-2013 foram muito superiores ao que se passou em Portugal ou em outros países ditos mais conservadores. Os ataques homofóbicos tanto verbais como físicos aumentaram de forma preocupante[2]. Christine Boutin, antiga ministra e dirigente política declarou numa entrevista que a homossexualidade era uma abominação e foi condenada em 2016 a 5 mil euros de multa por incitação ao ódio e ainda a 5 mil euros por perdas e danos às associações que se constituíram como parte civil (Inter-LGBT, Mousse et le Refuge)[3]. Em 2017 o célebre apresentador, Cyril Hanouna, de uma emissão televisiva vista sobretudo pelos mais jovens, para além das recorrentes piadas homofóbicas, fez uns apanhados telefónicos em direto em que humilhava diretamente gays, reproduzindo o estereótipo do gay efeminado. O CSA (Conseil Supérieur de l’Audiovisuel) recebeu mais de 47 mil denúncias e o canal de televisão sofreu uma multa de 3 milhões de euros[4].
Um dos perigos deste tipo de declarações por pessoas que possuem um elevado grau de mediatismo e beneficiam, portanto, de um certo tipo de autoridade ou credibilidade moral é o facto de que o que é proferido tem um impacto imediato nas pessoas LGBT sobretudo nas mais vulneráveis como os mais jovens. Este tipo de declarações tende igualmente a reforçar as opiniões, a linguagem descomplexada e a passagem ao ato homofóbico por parte das pessoas que já são intolerantes. É, portanto, da mais alta importância que estes atos sejam sancionados de forma célere e justa. É preciso relembrar que em 2016 a ex-Presidente da associação Act-Up, Laure Pora, foi condenada por injúria devido a uns cartazes, com o logotipo da associação, que apelidavam de homófobo o movimento “Manif Tous”, hostis ao casamento homossexual, ou ainda que um manager que chamou de “PD” (equivalente ao insulto “paneleiro” em português) a um empregado cabeleireiro não foi, estranhamente, considerado como um insulto homofóbico. O tribunal deu como justificação que os salões de beleza empregam regularmente homens homossexuais e que, portanto, chamá-los de “PD” não é um insulto homofóbico[5]. Ficando assim demonstrado até onde chega a homofobia das mentalidades e o impacto que estas podem ter quando estamos a falar de pessoas que têm poder de decisão sobre a vida de outras.
Uma outra via de prevenção dos retrocessos, mesmo se não definitiva, é o de legislar ao mais alto nível das instituições da República, ou seja, a nível constitucional os direitos fundamentais das populações mais desprotegidas.
No ranking dos países com leis e políticas com impacto mais positivo para as pessoas LGBT publicado pela Ilga-Europa na Europe Annual Review[6], em 49 países, a França aparece em 5° lugar e Portugal em 6°, atrás de Malta, Noruega, Reino Unido e Bélgica. Este ranking é feito a partir da medição de certos indicadores como a igualdade, as questões ligadas à família, a linguagem de ódio e o reconhecimento de género ou ainda a liberdade de expressão ou o direito de asilo.
A Ilga-Europe recomenda, para que a situação melhore em França, que o recente processo de reconhecimento de género seja facilitado a nível prático, que o acesso aos tratamentos de inseminação medicamente assistidos sejam acessíveis a todos os indivíduos e casais, e ainda que a proteção da liberdade de reunião para eventos públicos LGBT seja respeitada e não restringida com o argumento, por vezes desproporcionado, de medidas de antiterrorismo ou por outras razões de segurança.
Para Portugal, a Ilga-Europe recomenda uma atualização da lei de reconhecimento de género para que sejam removidos obstáculos como os limites de idade, a proibição de intervenções medicais em menores intersexuais enquanto não têm idade para emitirem um consentimento esclarecido, e ainda a criação de legislação antidiscriminação que mencione de forma explicita a orientação sexual, a identidade de género, as características sexuais e ainda que refira o caso das discriminações múltiplas.
A situação dos portugueses LGBT em França é particularmente dificultada pelo facto de acumularem os constrangimentos de fazerem parte de duas “minorias”. Têm de lidar com questões de integração enquanto portugueses ou filhos de portugueses, e ainda com as questões de discriminação devido à sua orientação sexual. Muitos destes portugueses vivem em núcleos familiares reduzidos e em caso de rotura com a família ficam em situação particularmente vulnerável, ainda mais sozinhos e com menos apoios do que se estivessem no seu país de origem. A condição de emigrante pode, portanto,, muitas vezes, potenciar as dificuldades que já viviam em Portugal.
Alexandre[7] tem 20 anos é binacional mas diz considerar-se sobretudo como cidadão europeu. Sempre viveu em Paris mais vai cada ano a Portugal e em França vive rodeado de portugueses. Os pais têm raramente relações com franceses fora dos seus trabalhos. Alexandre diz estar particularmente atento às realidades dos dois países e acha que a maior diferença de tratamento não é tanto entre Portugal e França mas entre grandes cidades e territórios mais pequenos. Em Lisboa e em Paris é, segundo ele, mais fácil, mas em outras localidades é mais complicado. Alexandre declara não ter feito o seu coming-out e que essa é sua principal dificuldade na sua vivência enquanto gay. Tem pais conservadores e tem medo de perder tudo, casa, família e amigos se assumir a sua orientação sexual.
Francisco tem 19 anos, tem nacionalidade portuguesa, viveu em Portugal até aos 6 anos e veio viver para França. Vai de férias a Portugal e nas conversas que tem com os amigos portugueses acha que Portugal é mais aberto nestas questões. Segundo ele, as principais dificuldades em ser gay nos dias de hoje é a aceitação dos outros. Os costumes e as religiões são um dos principais obstáculos que Francisco julga absurdos. E acrescenta que ninguém deveria de ser forçado a esconder-se e nem mesmo de ser obrigado a fazer um “coming-out”.
“As coisas normalizam-se a pouco e pouco, mas ainda resta muito caminho a percorrer”, conclui o jovem.
Quer Alexandre, quer Francisco declaram ter pena de ainda não fazerem parte de uma associação de defesa das pessoas LGBT, mas que talvez no futuro o venham a fazer. Alexandre afirma tentar lutar quando está fora de casa tentando falar sobre a questão com amigos e que “gostaria de fazer parte no futuro de uma associação lusófona LGBT para poder ajudar quem viva o que hoje eu vivo.”
Apesar de não existir atualmente uma associação lusófona LGBT em França, existem várias associações tanto em França como em Portugal que poderão ajudar estes jovens e os seus pais. A capacitação dos pais nestas matérias é um dos principais instrumentos para melhorar de forma direta a vivência destes jovens.
Décrouvrez l’article dans l’édition de Septembre 2017 du CAPMag
Luísa Semedo
capmag@capmagellan.org
Contactos úteis:
portugalgay.pt
www.ilga-portugal.pt
www.ilga-europe.org
ilga.org/fr
www.inter-lgbt.org
federation-lgbt.org
asso-contact.org
Sources
[1] http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-07-15-A-homossexualidade-e-uma-anomalia-a-entrevista-de-Gentil-Martins-ao-Expresso-que-esta-a-causar-polemica
[2] https://www.sos-homophobie.org/rapport-annuel-2017
[3] http://www.liberation.fr/france/2016/11/02/christine-boutin-condamnee-en-appel-pour-incitation-a-la-haine_1525692
[4] http://www.lemonde.fr/actualite-medias/article/2017/07/26/le-csa-inflige-une-amende-de-3-millions-d-euros-contre-l-emission-de-cyril-hanouna-pour-une-sequence-homophobe_5165259_3236.html
[5] http://www.liberation.fr/france/2016/04/08/pour-les-prud-hommes-traiter-un-coiffeur-de-pd-n-est-pas-homophobe_1444797
[6] https://www.ilga-europe.org/sites/default/files/Attachments/annual_review_2017_online.pdf
[7] Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos jovens.