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20 janvier 2021O escritor português Nuno Gomes Garcia, radicado em França, lança o seu quarto romance “Zalatune”, uma distopia perturbadora e cativante. Na entrevista à CAPMag fala de medos e esperanças.
LS: A primeira curiosidade do teu livro é o título. Podes explicar-nos o que significa? E porque o escolheste?
A ideia para este livro apareceu-me há vários anos ainda durante a campanha eleitoral das eleições dos EUA em 2015 e 2016, andava eu entretido a escrever “O Homem Domesticado”. Foi aí que me surgiu o título original, que era “A Tectónica dos Últimos Dias”, frase que acabou por ficar como abertura da segunda parte deste romance e que, a meu ver, define bem o avanço do populismo de extrema-direita, que é uma espécie de cataclismo, de apocalipse ideológico. Ora “Zalatune” é o elemento, a ideia central deste romance, e eu não posso explicar o que significa (risos). Se eu revelasse o que significa “Zalatune” seria o mesmo que destruir a leitura com o maior spoiler de todos os tempos. Na verdade, quem escolheu este título foi a minha editora, a Marta, ideia à qual eu aderi com entusiasmo, pensando “por que raio não me ocorreu isto antes?”. Acho o título bastante forte, misterioso, e parece-me ter sido uma excelente intuição da Marta.
LS: É a crítica ao populismo a tua primeira intenção?
No romance, eu aproveito essas pulsões populistas que cresceram após a Grande Recessão de 2008 para criar um mundo que, a meu ver, não está longe de existir. “Zalatune” é uma distopia, ou seja, uma advertência, se preferires, para o rumo que a História está a seguir. Por exemplo, em, Ínsula, a ilha fictícia que retrato no romance, o Governo promove um referendo online por mês e baseia a governança do país nessas consultas populares, criando assim uma Democracia Referendária. Esta questão dos referendos atrai muita gente, nomeadamente à Esquerda do espetro político, mas os seus perigos são incomensuráveis. Os Direitos Humanos devem ser referendados? A pena de morte deve ser referendada? O direito das mulheres a mandarem no seu próprio corpo deve ser referendado? Essa é uma tentação perigosíssima, ainda mais neste mundo onde a manipulação da opinião pública graças às novas tecnologias é o pão nosso de cada dia. Existem, porém, outras intenções neste livro, outros temas centrais que tento tratar. As alterações climáticas. Ínsula está a transformar-se num deserto. A desumanidade com que são tratados os refugiados, homens e mulheres que tentam escapar à guerra, à fome, aos desastres causados pelo aquecimento global. O racismo e a xenofobia, essa epidemia que a extrema-direita populista tenta cavalgar. A emancipação sexual da mulher, uma das grandes conquistas da humanidade. O individualismo exacerbado que leva a que certas pessoas percam a noção do ridículo, deixando conduzir-se pela vaidade mais primitiva. Esse comportamento é muito visível nas redes sociais, cujos perigos também abordo neste “Zalatune”.
LS: Quais foram as tuas influências?
As minhas grandes influências são o mundo e a História, a ciência e a tecnologia. Tudo aquilo que leio e me faz refletir. Os eventos políticos que me assustam e me fazem temer pelo futuro dos nossos filhos. Isso assusta-me tremendamente. A minha infância foi muito pobre e eu consegui sair da pobreza graças à escola pública. E, por exemplo, os discursos contra a escola pública influenciam-me muito, negativamente, claro. Eu vivo incomensuravelmente melhor, a todos os níveis, do que os meus pais, que morreram ainda novos precisamente pelo Estado não lhes ter garantido o mínimo essencial quando eram jovens durante o salazarismo. E o que mais me assusta é a ideia de que os meus filhos possam vir a ter uma vida futura pior do que a minha. Eu vivo obcecado por essa ideia e luto todos os dias para que isso não aconteça. Posso, portanto, dizer-te que as minhas maiores influências são os meus maiores medos.
“São os meus maiores medos que inspiram os livros que escrevo”
LS:Como posicionas este livro no conjunto da tua obra, eu vejo uma continuidade na tua busca exigente pela criatividade, uma preocupação em fazer-nos sair do nosso mundo tal como o conhecemos e isso é algo que até encontramos em “O Soldado Sabino” que é o teu livro mais próximo da realidade. E vejo ainda uma preocupação sempre presente com questões sociais.
Lá está, os meus livros sustentam-se nos meus medos. “O Soldado Sabino” reflete o meu medo da guerra. “O Dia em que o Sol se Apagou” demonstra bem os meus receios sobre a incerteza que Portugal enfrentava entre 2010/2015, anos em que se tentou desmantelar a estrutura social que foi capaz de arrancar milhões de portugueses, eu incluído, à miséria. “O Homem Domesticado” é a minha reação contra a misoginia, contra as sociedades patriarcais que consideram as mulheres um ser menor, que desejam a sua submissão ao homem. Este, “Zalatune” é a demonstração dos meus medos em relação aos populismos, ao racismo e às alterações climáticas.
Em relação ao estilo literário, acho que me mantive fiel a mim próprio. Escrevo aquilo que gosto de ler e escrevo tal qual escavava durante os meus anos de arqueólogo, baralhando os tempos, os espaços e as vozes, como uma picareta que perfura várias camadas estratigráficas ao mesmo tempo. Eu sou um leitor algo impaciente e chateiam-me as redundâncias, as prosas forçadamente líricas, arenosas, cheias de descrições longuíssimas que nada acrescentam e só atrasam a intriga, o movimento. Gosto de livros que juntem uma peça do puzzle narrativo página a página, capítulo a capítulo, capazes de surpreender.
LS: O que gostarias que o leitor sentisse ao acabar a última página do “Zalatune”?
Primeiro, que deu o tempo por bem empregado. Ler um romance é um investimento de tempo muito grande e não há nada de mais frustrante para um leitor do que sair insatisfeito de uma leitura de oito ou dez horas. Segundo, que o mergulho naquele mundo de Ínsula o tenha levado ao questionamento. Que a leitura o possa auxiliar a olhar para o futuro que nós, enquanto comunidade, queremos para o nosso país e o nosso mundo. Se queremos Democracia, tolerância e paz, ou se queremos ditadura, ódio e guerra. Se queremos lutar para preservar o nosso planeta ou se pretendemos nada fazer e contribuir para a sua destruição, prejudicando as gerações vindouras.
LS: Já estás em trabalhar num novo livro? Sei que também está prevista uma tradução de “O Homem Domesticado” em francês. É para breve?
Sim, estou a trabalhar num livro novo, mas prefiro não falar nele por agora. “O Homem Domesticado” está a ser traduzido por uma grande tradutora que contribuiu, e continuará a contribuir, para dar um novo ar ao “O Homem Domesticado”. Creio de que deverá estar cá fora lá para o fim de 2021.
“Zalatune” é a obra mais recente lançada em Portugal pelo autor. Porém, os leitores poderão descobrir em França ainda em 2021 uma das obras já editadas em Portugal, “O Homem Domesticado” e a Cap Magellan não perderá pitada do acontecimento!
Luísa Semedo
CAPMag de Fevreiro 2021