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6 octobre 2025A Cap Magellan teve a oportunidade de entrevistar Andreia Garcia, arquiteta, professora, investigadora e fundadora da Architectural Affairs, sobre o seu percurso e as interseções entre arquitetura, curadoria e edição na sua prática profissional.
Cap Magellan (CM): Olá Andreia, muito obrigada por teres aceite o nosso convite. Para começar, podes partilhar um pouco sobre ti e o teu percurso?
Andreia Garcia: Antes de mais, agradeço o vosso convite. Admiro muito o vosso trabalho: dar voz a diferentes pessoas e criar redes cujo alcance, muitas vezes, nem conseguimos medir. Essa generosidade é inspiradora. Sou de Guimarães, onde nasci e cresci. Estudei Arquitetura em várias universidades, em Portugal e no estrangeiro, com experiências internacionais que me abriram horizontes e me colocaram em contacto com discursos diferentes dos que conhecia. No mestrado, explorei a relação entre arquitetura e cinema, colocando Jacques Tati em diálogo com Le Corbusier. Dessa investigação nasceu a pergunta que orientou o doutoramento: se Tati construía cenários de raiz para os seus filmes, poderemos também olhar a cidade como um cenário? Mais tarde, essa perspetiva abriu novas camadas de reflexão que aprofundei no doutoramento que concluí em Lisboa.
Estudei o paralelo entre os lugares da representação, desde a praça ao teatro, e a história da cidade. Esse percurso trouxe-me novos convites, como a curadoria do Centenário do Theatro Circo de Braga, onde realcei o papel transformador que um teatro pode ter na vida e na transformação social e geográfica de uma cidade, ao mesmo tempo que o teatro é o reflexo da sociedade. Paralelamente, trabalhei em diferentes estúdios e cedo percebi que a minha prática não se esgotava na construção de edifícios. Sentia a necessidade de manter ativa a ligação à curadoria, à programação, à edição e à docência e investigação. A vertente editorial surgiu, curiosamente, de um imprevisto: um livro que tinha preparado para uma exposição não pôde ser publicado pelo promotor do projeto. Em vez de desistir de concretizar essa publicação, transformei o estúdio também numa editora — não para crescer em escala, mas para afirmar a edição como forma de produzir conhecimento em arquitetura, a par da construção e da curadoria. Assim se define hoje a Architectural Affairs, concebida como um espaço triplo: atelier, editora e plataforma de programação e curadoria. É dessa forma que entendo a minha prática e o meu papel enquanto arquiteta, curadora, editora e professora.
CM: A tua prática atravessa várias disciplinas. Como encontras o equilíbrio entre a liberdade criativa e as exigências concretas de cada projeto?
Andreia Garcia: Hoje, a liberdade criativa é muito mais acessível graças às ferramentas contemporâneas. Tecnologias, equipamentos e bibliografia estão à distância de um toque suave num ecrã, abrindo possibilidades quase infinitas. Não sou saudosista: acredito que, quando usadas com propósito e espírito crítico, estas ferramentas expandem a criatividade em vez de a limitar. Ao mesmo tempo, entendo a liberdade como indissociável do contexto: lugar, tempo, orçamento, regulamentos, património e impacto social são condições que informam e enriquecem qualquer projeto. A liberdade também depende do espaço que clientes e instituições nos concedem — e do diálogo com as comunidades envolvidas. Muitas vezes, é algo que temos de conquistar, apresentando propostas sólidas e bem fundamentadas em investigação, escuta ativa e critérios de responsabilidade. Isso é a prática que sustenta as narrativas. Com a experiência, aprendemos a tornar legível a cadeia de decisões — do conceito à materialidade — para que a ambição criativa se traduza em clareza, rigor e viabilidade. Na minha prática, as restrições não são obstáculos: são motores de projeto que afinam a ideia e a aproximam do real. A docência, a curadoria e a edição ajudam-me a testar argumentos, prototipar narrativas e clarificar intenções, o que se reflete na qualidade das decisões de projeto. Por isso, acredito que nunca tivemos tanta liberdade criativa como agora; mas essa liberdade vem acompanhada de uma responsabilidade ética e técnica que procuro honrar em cada projeto.
CM: Tens também um percurso importante na curadoria, desde a Bienal da Maia até à representação portuguesa na Bienal de Veneza 2023. O que te inspira a assumir esse papel de mediadora entre arquitetura, arte e sociedade?
Andreia Garcia: Considero a curadoria um privilégio e uma responsabilidade. Representar Portugal em contextos internacionais é não só uma oportunidade de dar visibilidade à arquitetura portuguesa, mas também de construir diálogos e redes que atravessam geografias e disciplinas. Sendo um país pequeno, nem sempre temos essa posição garantida. Por isso, quando ocupo esse espaço, procuro evidenciar a pluralidade e a vitalidade da arquitetura portuguesa, incluindo práticas emergentes e, muitas vezes, pouco visíveis, que oferecem respostas inovadoras a desafios contemporâneos — das alterações climáticas às estratégias de transição energética, passando pelo uso consciente e circular de materiais. Vejo também a curadoria como uma forma de aproximar a arquitetura das pessoas, de desmistificar a sua linguagem e de revelar o seu impacto nas nossas vidas quotidianas. Muitas vezes, a arquitetura é entendida apenas como uma questão de estética ou de forma, mas a sua dimensão é muito mais ampla: ela está presente em todos os espaços e territórios que moldam a nossa experiência coletiva. Na Bienal de Veneza, trabalhei a questão da escassez de água doce, um tema global e urgente. Em Osaka, propus uma reflexão a partir do território e do contexto local, convidando 23 ateliês, sobretudo jovens, a projetar ideias para o futuro ancoradas nas suas experiências e nos seus lugares de prática. Para mim, a curadoria é um gesto de mediação entre arquitetura, arte, ciência e sociedade, e reafirma a ideia de que projetar é sempre um ato de responsabilidade — quem cria hoje está a desenhar os futuros possíveis. E, por isso, entendo que nem a arquitetura é apenas estética, nem os seus discursos estetizam os temas que lhe correspondem.
CM: Acabaste de falar da Expo 2025 em Osaka. Que desafios encontraste ao pensar uma exposição num evento internacional como esse, onde se cruzam tantas culturas e visões do futuro?
Andreia Garcia: A exposição chamava-se The Future is Now (“O Futuro é Agora”). O objetivo foi mostrar como Portugal, a partir de uma postura crítica e comprometida, constrói alternativas concretas para os desafios contemporâneos. Apresentámos 23 práticas e projetos de ateliês portugueses, alguns a atuar a partir de contextos internacionais.
Num evento como a Expo, o principal desafio é equilibrar diversidade cultural e legibilidade universal: construir uma narrativa acessível a públicos muito distintos sem simplificar em excesso, garantindo, ao mesmo tempo, rigor, contexto e responsabilidade. O que unia as propostas era uma prática responsável, situada e, em simultâneo, experimental. O foco esteve em questões globais — habitação, sustentabilidade urbana, ecologia de recursos, desequilíbrios sociais, tipologias inovadoras — lidas a partir do contexto português. A mensagem que quisemos transmitir é que a arquitetura portuguesa é plural, aberta ao mundo, atenta aos contextos e, acima de tudo, imaginativa. Uma arquitetura que herda um legado crítico e o reinventa com escuta, experimentação e responsabilidade.
CM: E como achas que o trabalho português é visto no panorama internacional da arquitetura e a curadoria?
Andreia Garcia: Pelo feedback na Bienal de Veneza, na Expo Osaka e na London Design Biennale, a receção tem sido muito positiva — na imprensa especializada e na generalista. A arquitetura portuguesa distingue-se não só pela qualidade construída, mas pela capacidade de levantar questões sociais, ambientais e pela abertura à experimentação. Mesmo a partir de uma posição periférica e com constrangimentos económicos, entre outros, conseguimos fazer-nos ouvir no panorama internacional. Isso confirma a relevância, a audácia e a pertinência da disciplina em Portugal — e da curadoria como dispositivo de mediação.
CM: A Architectural Affairs também tem uma atividade editorial. Como vês a importância da edição no prolongamento da prática da arquitetura?
Andreia Garcia: A edição não difere de projetar um edifício ou organizar uma exposição. Em todas as situações há investigação, método e a enunciação clara de uma intenção, que pode ser apenas criar espaço para a discussão de um tema. Um livro é arquivo e, simultaneamente, uma plataforma de partilha. Muitas vezes, um livro nasce de ideias do ateliê e passa a informar outros projetos. A edição exige a mesma responsabilidade ética e técnica que uma obra física: o que se publica torna-se público e duradouro. Nesse sentido, vejo a edição como prolongamento natural da prática de arquitetura — uma forma de transformar reflexão e investigação em legado coletivo.
CM: Além disso, também ensinas. De que forma a relação com os estudantes influencia a tua prática profissional?
Andreia Garcia: Diria que somos um “corpo Frankenstein”: somamos referências, observações e camadas que moldam o nosso conhecimento e o tornam singular. O privilégio que sinto na curadoria, na arquitetura ou na publicação também se aplica ao ensino. Há 10 anos que lecciono na Universidade da Beira Interior, numa região que uma vez mais este verão ficou marcada por fortes incêndios. Este semestre, propus aos alunos do primeiro ano refletirem sobre a arquitetura precisamente como gesto de cuidado, começando por projetar refúgios para os animais afetados por essa catástrofe natural. Assim, ao aprenderem noções básicas de representação e escala, também estão a ser sensibilizados para outras dimensões da arquitetura, como a ecológica. Essa experiência enriquece os estudantes e a minha prática: ser mais sensível ao território e às suas fragilidades faz-me repensar decisões. O diálogo com os estudantes, muitas vezes através do desenho, traz novas ideias e perspetivas. Acredito numa aprendizagem horizontal: ao ouvirmos colegas, alunos e clientes, todos ganham; essa escuta ativa cria um ciclo contínuo de troca e enriquecimento mútuo.
CM: E quanto ao futuro? Que áreas ou temas gostarias de explorar nos próximos anos?
Andreia Garcia: Essa é talvez a pergunta mais difícil, porque falar do futuro implica lidar com incerteza. A arquitetura antecipa o futuro para responder no presente, mas quando se trata do meu próprio percurso, só posso projetar a partir do que conheço hoje. Atualmente, desejo continuar a ensinar, nacionalmente mas também internacionalmente. Este ano iniciei funções como professora catedrática convidada na Vilnius Academy of Arts (Lituânia), num mestrado em Spatial Design. O desafio que proponho centra-se na invisibilidade: ou seja, detetar problemáticas ainda pouco visíveis nas camadas sociais, económicas e territoriais, e dar-lhes voz em contexto experimental. Na curadoria, o foco está neste momento na Galeria de Arquitetura, espaço que criei no Porto com Diogo Aguiar, cuja programação retomou com uma exposição do escultor Carlos Nogueira, que cruza disciplinas e traz novas formas de pensar o espaço. Na edição, estou neste momento a desenvolver mais dois números da coleção Sebentas de Projecto, livros de bolso, acessíveis e publicados em inglês e português, que dão visibilidade a arquitetos e arquitetas de diferentes contextos que me são referenciais. Portanto, o meu foco é explorar o invisível, antecipar problemas e oportunidades, e dar voz a novas formas de pensar a arquitetura, sempre com responsabilidade e sentido de missão.
CM: Para terminar, terias uma mensagem para os jovens lusodescendentes?
Andreia Garcia: Retomaria a ideia central da exposição de Osaka: “O futuro é agora”. Aos jovens lusodescendentes, diria que cada proposta que desenvolvam deve nascer de uma escuta ativa: observar, aprender e compreender o mundo em redor. Que a ação e a criatividade sejam sempre responsáveis e conscientes. O futuro começa com o que fazemos hoje.
Agradecemos novamente Andreia por ter respondido às nossas perguntas.
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Entrevista realizada pela Julie Carvalho,
e a Liliana Tavares Ribeiro, de Tempestade 2.1 e
estudante em Mestrado Mercado internacional da arte contemporânea na IESA arts&culture
Publié le 02/10/2025




