Heranças : Obrigações e consequências
2 mai 2019Entrevista : Luisa Rocha
6 mai 2019Martinho José Ferreira da Silva. Não sabem quem é? E se dissermos Martinho da Vila? Sim, é esse mesmo artista de quem falamos.
Filho de lavradores da Fazenda do Cedro Grande, mudou-se para o Rio de Janeiro com apenas quatro anos. Quando se tornou conhecido, voltou a Duas Barras para ser homenageado pela prefeitura e descobriu que a fazenda onde nasceu estava à venda. Não hesitou em comprá-la e hoje é o lugar que chama de «meu off-Rio». Cidadão carioca criado na Serra dos Pretos-Forros, a primeira profissão foi como auxiliar de químico industrial. Mais tarde, serviu o Exército Brasileiro como sargento burocrata. Nesta instituição, começou na Escola de Instrução Especializada e em 1970 deu baixa para se tornar cantor profissional. Até 12 livros escreveu!
A carreira artística surgiu para o grande público no III Festival da Record, em 1967, quando concorreu com a música «Menina Moça». O sucesso veio no ano seguinte, na quarta edição do mesmo festival, lançando a canção «Casa de Bamba», um dos clássicos de Martinho. O primeiro álbum, lançado em 1969, intitulado Martinho da Vila, já demonstrava a extensão de seu talento como compositor e músico, incluindo, além de «Casa de Bamba», obras-primas como «O Pequeno Burguês», «Quem é Do Mar Não Enjoa» e «Prá Que Dinheiro» entre outras menos populares como «Brasil Mulato», «Amor Pra que Nasceu» e «Tom Maior».
Com 81 anos de idade, o cantor comemora este ano os seus 50 anos de carreira. É considerado por muitos o “senhor samba”, notavelmente das pessoas mais optimistas, alegres e humildes que o mundo artístico já conheceu. Tem um espirito de tal modo aventureiro que no início do ano 2000, lançou a “Lusofonia”, que reunía canções de todos os países de língua portuguesa. O seu mais recente trabalho intitula-se “Bandeira da Fé” e aborda temáticas relacionadas com política, racismo e sobre o papel da mulher. É um álbum jovem, leve e sábio.
Em maio deste ano, o cantor irá pisar de novo os palcos europeus, dia 17 de maio em Paris, e dias 10 e 12 de maio em Portugal, em Lisboa e no Porto.
Cap Magellan : Em que altura da sua vida começou a ver que realmente tinha talento?
Martinho da Vila : Nunca pensei nesse assunto do talento, surgiu logo na infância. Desde menino que gostava de fazer versinhos e acrósticos.
Cap Magellan : Ainda se lembra como se sentiu no primeiro dia que pisou um palco?
Martinho da Vila : Já faz bastante tempo, mas eu, em tudo o que vou fazer, não fico nervoso. Tento ir normal, e creio que subo ao palco dessa maneira. A primeira vez que me apresentei para o público foi em 1967, no terceiro festival da música popular brasileira, em São Paulo e foi transmitido para o Brasil inteiro. Começei logo assim, em grande.
Cap Magellan : Tem algum ritual, para dar boa sorte antes de entrar em palco?
Martinho da Vila : Não, o meu ritual antes de entrar no palco é primeiro ir ao palco ver se está tudo certinho, se a banda está bem posicionada, se os microfones estão funcionando… Fora disso não tenho nada. É só esperar a hora e ataco!
Cap Magellan : Sempre lidou bem com a fama?
Martinho da Vila : Sempre, porque comecei logo em força, não sou aquele que ficou sonhando em ser artista… Aliás, nem pensava. Batalhava, as coisas foram acontecendo, fui trabalhando, fui procurando entender, investindo…
Cap Magellan : Acha que ainda existe muito racismo no meio artístico?
Martinho da Vila : O meio artístico talvez seja o meio em que há menos racismo. Nunca vi cenas de racismo entre artistas, nem com a imprensa e artistas, nem entre artistas de etnias diferentes, nada disso. Onde há menos racismo é neste meio, até no esporte creio que há mais.
Cap Magellan : O que significa para si chegar aos 50 anos de carreira?
Martinho da Vila : Não tem um significado grande porque nunca pensei nisso, sempre fiquei observando que a vida artística é instável, para a maioria é meteórica, fiquei sempre pensando que daqui a pouquinho vai mudar. Várias vezes pensei em parar, mudar de atividade, mas vim até aqui, então estou bem feliz.
Cap Magellan : Imagine que conseguia recuar no passado e se encontrava consigo em início de carreira, quais os conselhos que daria a si próprio?
Martinho da Vila : Falaria essencialmente quatro coisas:
Primeiro, estar ciente de que a vida artística é instável, ficar preparado para as variações.Segundo, procurar entender do seu ofício. Terceiro, procurar entender-se, conhecer-se, conhecer as suas capacidades, vocal e artística, bem como os seus limites, e aperfeiçoá-los. Por último e mais importante, tem que respeitar o seu público, sempre: o publico é como o freguês de uma loja, tem sempre razão!
Cap Magellan : Qual das suas músicas é a sua preferida?
Martinho da Vila : Não tenho uma música em particular. A música é assim: se eu hoje perguntar para você a sua música favorita, você vai dizer uma de acordo com o seu estado de espirito. Talvez até dissesse uma música brasileira, talvez até dissesse uma música minha, mas se eu perguntasse noutro dia em que você estivesse mais triste, você me falaria de uma música mais melancólica. Se fosse um dia de muita euforia, você escolheria uma música carnavalesca. Se me perguntar hoje, digo a Bandeira da fé, que é título do meu CD.
Cap Magellan : Porque afirma que o samba é o pai da alegria?
Martinho da Vila : O samba é o pai da alegria. Eu tenho até um disco chamado o pai da alegria, que é o samba. O samba tenta sempre alegrar. Dificilmente um samba leva a deprimir: mesmo quando ele fala de tristeza, ele é ritmado… Então quendo há ritmo, há uma certa alegria, o corpo se mexe um pouco… O pai da alegria é mesmo o samba.
Cap Magellan : Sempre foi uma pessoa positiva, ou aprendeu a ser?
Martinho da Vila : Sempre fui naturalmente, porque acho que o positivismo é importante, o otimismo é importante, as mudanças que aconteceram no mundo todas foram feitas pelos otimistas.
O pessimista morre mais cedo porque, se está doente diz: ah eu vou morrer, e aí acaba morrendo, o otimista não, diz eu não vou morrer eu vou ficar, e vai ficando até que acaba por se conseguir salvar.
Cap Magellan : Em maio vem fazer espetáculos na europa nomeadamente, Portugal e França, sente-se tão acarinhado pelo povo europeu como pelo brasileiro?
Martinho da Vila : Os Brasileiros gostam mais porque me conhecem mais, os Portugueses também gostam mais.
Da europa quem mais gosta é Portugal porque me conhece melhor, depois creio que são os Franceses. Já tive muito tempo por aí, já toquei muito na França e o público gosta a partir do que ele conhece, do que ele se identifica. Agora com o público é o seguinte: se o artista estiver bem no palco, o público recebe bem a sua mensagem e a sua música, e aplaude.
O artista que diz que aquele público não é bom está a dizer que o show dele não foi bom.
Se a gente for ver um show de um estilo de música que não conhece, como música coreana por exemplo, e aí a gente vai ver o show, a gente não entende a língua, não entende o som, não entende nada, mas se o show for bem produzido, os músicos bons, se a música for verdadeira, a gente sente as mesmas emoções e até aplaude. A música tem uma linguagem universal!
Cap Magellan : Sente-se um jovem de 81 anos?
Martinho da Vila : Sinto-me bem jovem, porque eu faço quase tudo que fazia no passado, muitas coisas que eu não faço é porque eu não gosto mais. Eu sinto-me bem fisicamente, mentalmente, eu enxergo bem, falo bem, nem sinto muita diferença de um jovem. Mas há umas pequenas diferenças: se for jogar uma partida de futebol, contra um time jovem e não for numa de amizade, vou perder porque eles correm mais, tem mais vitalidade, estão mais dispostos, a gente vai para o campo para brincar e se divertir, mas eles vão a sério.
A juventude é uma questão de mentalidade, se você andar com gente jovem vai se sentir jovem também!
Agradecemos mais uma vez o Martinho da Vila pela sua simpatia e disponibilidade e convidamos os nossos leitores a ir ver este concerto inesquecível na sala La Cigale dia 17 de maio.
Martinho Da Vila dia 17 de maio às 20h na sala La Cigale
120 boulevard de Rochechouart – 75018 Paris
Vitória Calado
capmag@capmagellan.org