2e édition des Etats généraux de la Lusodescendance : mobilisation en faveur de la promotion de la langue portugaise
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20 décembre 2018Fomos ao encontro de uma das revelações do Festival Transmusicales de Rennes, Pongo, que fugiu da guerra civil em Angola. Com 16 anos começa a cantar com o grupo lisboeta Buraka Som Sistema, com quem ela se faz conhecer com o título Wegue Wegue escutado em torno de 4,5 milhões de vezes no Youtube. Aos 26 anos, Pongo sai o seu albúm Baia em setembro de 2018, que mistura kuduru com dancehall, bass music, pop melódica e integra instrumentos musicais pouco utilizados como hadpan, uma percussão metálica ou duduk, uma flauta armênia. A rainha e diva du kuduru nos faz partilhar seu amor pela música enraizada em seu país, infância, família e amigos.
Cap Magellan: Antes de começarmos a falar da sua carreira, só uma curiosidade. É a primeira vez que você vem na França?
Pongo: Não, não é a primeira vez que eu venho a França mas é a minha primeira vez no festival Transmusicales.
Cap Magellan: Eu conheci a sua música através de France Inter, passou a mais ou menos um mês atrás. Aí eu falei com a equipe de Cap Magellan e foi assim que a gente tomou contato com você.
Cap Magellan: Como que você começou a cantar?
Pongo: Comecei a cantar quando eu tinha 15 anos. Tudo numa brincadeira, com um grupo de bailarinos e de cantores, nas ruas de Lisboas. Mas propriamente numa estação de comboios, em que me juntei a esse grupo. E fiz uma música numa brincadeira que chegou aos ouvidos dos elementos do Burako Som Sistema, que na mesma altura estavam procurando uma nova vocalista e gostaram da minha voz e contataram-me. Desde ali então, eu apresentei o Wegue Wegue, no primeiro encontro só lhe mostrei o Wegue Wegue porque eles me pediram que cantasse alguma coisa e eu cantei o Wegue Wegue. Eles gostaram e trabalhamos na música e pronto, foi aquele big successo que deu o caminho para o resto. Eu tinha quinze anos e pronto. Desde ali, foi onde tudo começou.
Cap Magellan: Quais são as mestiçagens que ilustram a música de você?
Pongo: Todas as minhas composições são inspiradas das minhas vivências da minha infância em Angola. Tudo, tudo mesmo, desde do princípio ao fim, começando com o Wegue também, tudo como são composições que a gente fazia nesse caso Wegue, brincadeiras de rua, em que eu recriei em Wegue Wegue. E agora nesse novo trabalho a solo, no EP, no dito lado de Baia, também com todas as inspirações das minhas vivências de infância em Angola.
Cap Magellan: Eu vi em alguns artigos que você é apresentada na França como praticando um Kuduro progressivo ?
Pongo: Sim porque foi ali que o Wegue Wegue foi uma evolução do Kuduro genuíno em si do que se passe em Angola que foi denominado como Kuduro progressivo por Burako Som Sistema. E dali em diante eu segui exatamente este mesmo estilo porque foi aí que eles me encontraram pela forma de cantar e compor e também a parte técnica de produção dos instrumentais e beats juntamente com o estilo cantado do Kuduro que deu então essa fusão que Burako denominou como Kuduro progressivo. E assim ficou conhecido internacionalmente, pelo mundo inteiro Kuduro progressivo. E foi dali que eu sujo nesta nova vertente e que estou a dar continuação até agora.
Cap Magellan: A gente como brasileira, tenho muito orgulho também de fazer parte dessa grande comunidade lusófona, e a influência do samba vem do semba.
Pongo: Exatamente, o semba … Como é que eu posso dizer? O semba faz parte de mim, faz parte da minha educação musical porque meu pai consumia e consome muito música tradicional angolana. E eu bebi muito dessa água, principalmente da dança, que o meu pai dançava, da dança e da música em si, do semba em si e do semba a gente vem tirar os movimentos corporais de tudo, inicialmente da dança, dançar o semba porque semba é a música e é dança, é simultânea, né. A gente beba do zouk antilhano dos anos 80 que o meu pai ouvia muito e eu também consumia muito disso que é muito parecido ao semba, a dança e tudo e o meu pai, por exemplo, eu dançava, … era um estilo na altura que estava na moda, estilo de dança que era o Bungula, Kabetula, Vaiola e ele teve imenso destaque no seu bairro com essa dança na altura que era com os ritmos antilhanos. E voltando ao semba, que está sempre ao encontro do semba e do Kabetula, que é um estilo de dança e música de Angola, que nos leva ao encontro nesse caso quando nós falamos do semba, estamos a enquadrar também no samba do Brasil, que lá está, que acabe sempre por ser, são países-irmãos praticamente, culturalmente é muito parecido. Bem pra mim, como disseste também, fico muito feliz por realmente criar essa diversidade a partir do estilo de música que eu faço. O Kuduro também bebo um pouco de tudo em termo de dança e movimento: da capoeira, do Breakdance, do dombolo, do kongo, do samba, de tudo um pouco. É que ele é uma mistura e um mix, uma fusão de tudo, que a gente traz cá para fora e graça a Deus, acaba por juntarmos às outras culturas, a nível mundial, que é muito satisfatório. Para mim por exemplo é praticamente sem palavras quando vejo as pessoas a dançar com minha música e a curtirem e principalmente com a diferença do idioma que as pessoas não entendem, mas, mesmo assim as pessoas têm interesse em entender o quê que a música diz e antes de sequer pensar o quê é que a música diz as pessoas estão a dançar, então é assim como se fosse mágico, dizer, não tenho palavras.
Cap Magellan: Porquê morar em Portugal?
Pongo: Não foi uma escolha porque eu cheguei em Portugal quando eu tinha 8 anos com minha família, com todas aquelas controvérsias da imigração. A gente sabe a dificuldade e tudo, passamos por tudo um pouco, até que os caminhos apesar de já trazer a mesma energia e filtrei desde de sempre como até hoje todas as minhas memórias de infância, minhas vivências com família, amigos do bairro e Angola. Guardei isso tudo, filtrei com muita … e vivo isso intensamente nas minhas músicas. E desde os 8 anos que vivo em Portugal nada sobre pôs a toda essas minhas memórias de infância. Até porque é uma altura em que quando estamos crianças tudo é muito bonito sabe, tudo brilha, tem sempre um olhar inocente sobre tudo a nossa volta. Isso pra mim, entra em situações que a vida muita vezes nos leva a encarar. Essa é a parte que está sempre mais viva em mim e faço questão de mantê-la e é como se fosse um refúgio de poder renascer de novo e continuar na luta. Pronto é dessa forma que eu sigo e consigo compor e apresentar as minhas músicas ao mundo. Com todas essas vivências e memórias que eu partilho nas minhas composições.
Cap Magellan: Quando escutei suas músicas, escutei só duas, ela me levou e me projetou até a minha infância também que era muito diferente do que existe hoje no Brasil, mas que é muito mais próximo do que existe ainda em Angola.
Pongo: Eu sei, eu sei, olha por acaso tenho uma certa dificuldade às vezes em me encontrar nesse mundo de hoje. Porque realmente eu vivo muito nesse passado, não quer dizer que esteja lá presa mas tenho dificuldades em me encontrar nessa nova geração, até mesma as pessoas de minha idade também já ultrapassaram a tempo todo essas memórias e estão a viver outras coisas, mas eu não consigo me encontrar ali porque aquilo para mim foi bonito, foi de verdade e então isso que estás a me dizer para mim é muito importante porque o objetivo realmente é poder partilhar esta mesma energia, esta mesma emoção que eu sinto com as outras pessoas. Porque aquilo que eu digo muito às vezes e repito que, quando as pessoas dançam, que a minha música pra mim, o kuduro, a essência em si é a liberdade, e quando eu vejo que pessoas estão a dançar ou a escutar minha música, para mim estão a ser livres, estão a ser transportadas. E quando a gente dança, a gente não finge, aquilo é verdadeiro e finalmente que nós fingimos muitas coisas, mas quando, e ainda que seja um ritmo diferente ao nível europeu e do mundo, é um ritmo diferente para eles, é um ritmo diferente para as pessoas, mas estão a se mexer, estão a movimentar o corpo, estão a soltar da sua forma mas é verdadeiro. Isso pra mim é uma sensação tão boa que é uma grande motivação para continuar, mas ao mesmo tempo para mim é mágico porque o objetivo é esse, é levar as pessoas a embarcarem na minha viagem, nesse mesmo barco e viajarmos todos juntos nessa loucura que é bastante diferente. Mas tem que em simultâneo encontramos a felicidade. Ainda que seja momentânea, ainda que seja passageiro, naquele momento estamos todos a serem felizes em conjuntos. E isso pra mim é bastante importante quando arte que é a música no caso consegue isso nas pessoas, consegue fazer as pessoas sentir as coisas dessa forma, para mim é muito importante, às vezes até não acredito que está a acontecer.
Cap Magellan: Quando converso com você agora, me faz muito pensar em minha bisavó, minha vozinha querida, que ela é de origem africana e que dizia que enquanto a memória não está esgotada significa que temos muitas coisas para dizer ainda e que essa memória deve ser partilhada.
Pongo: Eu sou da mesma opinião. É aí que eu digo que tenho dificuldade em me encontrar nessa nova geração porque até mesmo partilhar as minhas músicas, foi muito difícil porque nem toda a gente compreendeu. A luta foi grande até cruzar com pessoas que entenderam e que me ajudaram realmente a expandir essa ideia que eu tenho que é de dar o que eu gostaria de receber, coisas boas, boas energias, good feeling, boa vibração. Eu dou aquilo que eu gostaria de receber. E então, é a forma que eu tenho de me expressar, as minhas músicas, é realmente querer dar algo às pessoas, naquela expressão que eu gostaria de receber de volta e receção que eu tenho de volta é realmente essa porque as pessoas estão felizes, as pessoas estão contentes naquele momento e eu senti isso nos meus concertos e então isso que tua bisavó falou, faz todo sentido, eu nunca encontrei um sentido lógico sobre aquilo que eu faço, sobre aquilo que eu quero transmitir às pessoas, mas por isso o que tu me disseste, é exatamente isso mesmo. Para mim, às vezes, é uma coisa de sentir, sabes? Não é de precepto, eu tenho dificuldades de falar e de expressar nesse sentido porque é algo de sentido. Por isso é que nas minhas músicas, com a diversidade de telespectadores, que é muito diferente, línguas diferentes, pessoas de longe, e quando vem dizer o que sentiram ao ouvirem a música, sem perceber nada. Eu digo uai!, é isso (risos). É esse sentimento, é essa vibração que é boa. Mas foi preciso 10 anos, dez anos após o meu primeiro sucesso, que foi Wegue Wegue com Buraka. Foi preciso, após 10 anos para conseguir perceber exatamente isso, as pessoas, não quer dizer que com Wegue não recebi, mas eu acho que na altura, as pessoas estavam sentindo que eu não tinha a maturidade suficiente para entender sequer, o que estava ali a acontecer, o que as pessoas estavam a dizer eu tinha quatorze, quinze anos, as pessoas já tinham 20 e poucos anos, tinham a idade que eu tenho agora, tinham trinta e poucos. Estavam a falar exatamente desta emoção, que eu não entendia na altura mas agora, é diferente, né? Agora, eu percebo, agora eu percebo e sinto exatamente que esse é o objetivo de compor e de expressar nas minhas músicas. Tudo aquilo é a minha história. Tudo o que vocês ouvem é a minha história, não digo que tudo eu vivi mas vivenciei. Vivi e estou a viver e pronto. É isso. Desculpa, dou muito as voltas.
Cap Magellan: Não, não, é ótimo. É muito interessante o que você está dizendo. Acho que eles estão esperando você para tirar fotos. (risos) Você tem que falar com a televisão. Pois é, é uma pena. É um prazer conversar com você. Sou professora de português e quando eu fiz os meus alunos escutarem você, eles me perguntaram “quando que ela vem ver a gente”. Eles me pediram para que te pergunte qual é o lugar da música no Angola de agora.
Pongo: Qual é o lugar da música?
Cap Magellan: Da música duma maneira geral.
Pongo: A música duma maneira geral em Angola, para ser assim muito sincera, eu como vivo um pouco lá atrás, o que está a acontecer agora, tem o seu sentido sim, mas eu continuo a olhar muito por tradicional e o semba continuar ser um estilo de música que permanece em Angola, com muita força, o kuduro também, cada vez melhor, novos artistas, novos talentos. E tem sido bom, porque eu sinto que Angola tem transportado a cultura pelo mundo fora. E então, está positivo, está muito bom e o povo em si, com toda a dificuldade que nós temos, o refúgio, em todos os sentidos é a música, é a dança e então é muito importante, a música continuar a fazer sentido em Angola. E a posição que tem é muito importante para a luta e a liberdade das pessoas, em Angola duma forma geral. E então pode dizer aos teus alunos que a música em Angola tem uma importância muito grande nesse momento como sempre teve, para os povos angolanos, para nossa liberdade, duma forma geral para tudo, para ultrapassar todas as dificuldades que a gente sabe, que existem, né?
Propos recueillis par Ana Daudibon
capmag@capmagellan.org