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Ricardo Ribeiro nasceu em Lisboa, a 19 de agosto de 1981. Tem uma voz inconfundível, com um timbre de uma exemplar riqueza e com uma potência que faz lembrar os maiores cantores de ópera. O seu quinto álbum a solo saiu este ano em abril e intitula-se “Hoje é assim, amanhã não sei”, e estará em concerto em França dia 10 de novembro em Epinay-sur-Seine, dia 20 de janeiro de 2017 em Rouen, dia 21 no Théâtre de la Ville em Paris e dia 22 em Beauvais.
CAPMag: Para o Portugueses em França que ainda teriam a infelicidade de não conhecer o Ricardo Ribeiro, pode-nos contar um pouco da sua história. Começou a cantar muito cedo, e disse várias vezes que nasceu para o fado, nunca pensou enveredar por outro caminho?
Ricardo Ribeiro: Tive muitas hesitações, sim, umas vezes tive desejo de ser padre outras de ser veterinário, mas a música falou sempre mais alto, e nomeadamente o fado falou sempre mais alto. E a minha história… comecei a cantar muito cedo, desde pequenino, no início cantava para a família e amigos e estreei-me em público aos doze anos numa coletividade de cultura e recreio. Eu acredito no destino, e a vida obrigou-me sempre a vir por aqui.
CM: O Ricardo já possui uma carreira sólida tanto em Portugal como no estrangeiro. Nota diferenças no público? Quando canta em Portugal, em França ou em Marrocos por exemplo?
RR: O público é diferente, claro, as culturas são diferentes, cada povo tem a sua maneira de expressar, mas quando o público sente a verdade do artista, as barreiras linguísticas, por exemplo, são ultrapassadas. Quando se percebe a letra, o acesso é mais fácil, o recetor percebe logo a mensagem através da letra, mas mesmo aqueles que não compreendem, percebem a verdade do artista. A música foi a primeira forma de comunicar sem partilharmos a mesma língua, a mesma cultura, a mesma forma de ser e de estar. A verdade na música é universal.
CM: Quando olho para as atuações do Ricardo, penso muitas vezes na ópera, e em como o cantor tem de ser também ator, tem de encarnar um personagem. Sente que o fadista tem de ser este artista completo?
RR: Sim, sem dúvida, temos de ser atores, de encarnar personagens consoante as letras das músicas. Por vezes a história não tem bem a ver connosco, e nós então encarnamos um personagem. Mas pessoalmente prefiro que tenha a ver comigo, com a minha vida, que haja verdade, que as letras tenham a ver com minha experiência, com algo que tenha vivido ou com algo com o qual me identifique.
CM: Quando se lê as suas entrevistas, ressente-se uma busca prática, mas igualmente teórica sobre a sua arte. Ou seja, o Ricardo é não somente um artista, mas igualmente um filósofo do fado. O que é para si o fado, e qual é o elemento que o distingue de todos os outros géneros de música?
RR: Obrigado pelo elogio de filósofo, mas isso é muito arriscado, gostava de ser, mas não sou. O fado é muito terra-a-terra, a orgânica, o seu modo de fazer, é simples, mas provoca um efeito profundo até nos próprios músicos e fadistas e não só no público. O fado é uma cantiga profunda muito rica poeticamente, e precisa de ser considerada com profundidade e não com ligeireza. Depois evidentemente, existem fados mais ligeiros, mais alegres claro, mas o fado é isso mesmo, canta a vida e a vida tem de tudo.
CM: Disse em algumas entrevistas que ambicionava ser mais do que um mensageiro, que gostaria de chegar a um ponto em que seria a mensagem. Pode-nos falar mais sobre isso?
RR: O que importa é a mensagem e não o mensageiro. Então, talvez um dia eu consiga vir a ser a própria mensagem. Evidentemente que é um bocadinho uma prepotência da minha parte, de alguma maneira é uma arrogância, mas é o objetivo de qualquer artista que a sua obra sobreviva de tal maneira mais do que ele próprio, evidentemente que a obra está ligada ao artista. Até aqui sou o mensageiro, repito, talvez um dia tenha capacidade para ser a mensagem. Mas isso não sou eu que vou definir, é o tempo, e aquilo que o tempo me deixar fazer em termos de obra. E depois quando eu desaparecer deste mundo, se a minha obra sobreviver, e se aquilo que eu fiz e deixar for lembrado e perpetuado, então aí sim deixarei de ser o mensageiro para ser a mensagem.
CM: Desde há alguns anos que se põe a questão da inovação no fado. O Ricardo tem este dom de conseguir inovar, de fazer diferente guardando a essência. Qual é o seu segredo? E essa é uma preocupação sua?
RR: Eu não tenho nenhuma bandeira, nem sou curador de museu para achar que faço melhor que o outro e não tenho autoridade para dizer que este está mal ou está bem, ou que eu tento é preservar determinadas características incutindo a minha marca pessoal, a minha sensibilidade. No fundo é cozinhar no caldeirão chamado Ricardo Ribeiro, cozinhar tudo aquilo que está aqui por dentro e tentar que venha algo para fora. Um dos maiores elogios que me fizeram na vida, foi “você canta como um velho, como um velho novo”. E isso tem a ver com a maturidade, tem a ver com uma questão de linguajar. E o fado tem o seu linguajar. Mas o fado nunca foi uma cantiga que se prestasse a estar estática, sem mudar, sem novas ideias, foi precisamente o contrário, sempre viveu de novas componentes.
CM: Podia-nos falar um pouco do seu novo álbum “Hoje é assim, amanhã não sei”. O título tem algo de aceitação do destino, é um pouco fatalista. O Ricardo acha que o que nos acontece já estava escrito ou que somos nós que fazemos o nosso destino?
RR: Quando me fazem essa pergunta gosto sempre de responder com uma frase de Schopenhauer que dizia “O destino baralha as cartas e a gente joga” e ainda do professor Agostinho da Silva que dizia “Tento ao máximo não fazer planos para a vida para não estragar os planos que a vida possa ter para mim.”
CM: “Hoje é assim amanhã, não sei”, na verdade não é pessimista, é uma aceitação realista…
RR: Sim, exatamente é uma aceitação porque quer seja aceitar a tristeza quer seja aceitar a alegria, já é um passo para se viver lucidamente. Quando se aceita a alegria, sabe-se que mais tarde ou mais cedo virá a tristeza, quando se aceita a tristeza sabe-se que mais tarde ou mais cedo, vem a alegria. Porque tudo muda, nada é estático, nada é parado.
CM: É quase uma espécie de curiosidade, deixa cá ver o que o destino nos reserva, deixa cá ver o que nos vai acontecer hoje…
RR: Exatamente, a cartas foram baralhadas, uma foi jogada, a outra foi deitada fora, outra foi guardada agora vamos a ver o que vai dar esta jogada. Não é um jogo mas quase.
CM: Qual é o sonho artístico do Ricardo. Onde gostaria ainda de chegar, o que gostaria ainda de fazer?
RR: Eu não tenho um sonho artístico, porque a minha vida já é um sonho artístico. O que tenho é um ideal estético, um ideal de beleza para construir uma obra.
CM: Mas já atingiu esse ideal estético ou ainda está à procura? Acha que é sempre um trabalho ainda em progresso…
RR: É isso, é sempre um trabalho constante. Considero a vida que levo e como a vou vivendo como um sonho, porque uma pessoa, que vai fazendo bem aos outros através daquilo que canta e vai conseguindo passo a passo construir alguma coisa já é um sonho, sobretudo nos dias que correm.
CM: Imagino que por vezes chega a um momento em que olha para si de fora, e pensa “olha o rapaz que eu sou agora, a pessoa em que me tornei”…
RR: Sim, muitas vezes. Por vezes fico muito danado com certos disparates que faço. Sabe que eu tenho 35 anos mas às vezes sou muito infantil.
CM: Se calhar é importante guardar essa faceta…
RR: Sim, olho de fora e digo mais um disparate, não deverias ter feito. Mas como diria Nietzsche, um homem só chega à maturidade quando brincar com seriedade com os brinquedos que brincava na infância, eu vou tentando, mas não consigo todos os dias.
A CAPMag agradece a disponibilidade, o bom humor e a partilha de sabedoria do Ricardo Ribeiro.
Luisa Semedo