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31 décembre 2019Cap Magellan: Vamos começar pelas bases que são Bonga e Semba. Porquê Bonga e o que é o Semba?
Bonga: Semba é o meu ritmo da origem, Angola. Bonga é o nome que vai em conformidade com isto aí, porque é africano, porque não fazia sentido ter o outro nome (José Adelino Barceló de Carvalho) que me foi dado no tempo da colonização e que tem a ver com estrangeiro.
Cap Magellan: Portanto, Bonga foi uma decisão política?
Bonga : Absolutamente! Social, primeiro que tudo.
Cap Magellan: Mas porquê Bonga? Existem vários outros nomes africanos.
Bonga: Bonga tem uma definição é o que procura, o que encontra e sempre enfrenta, Bonga Kuenda.
Cap Magellan: E Semba? Explique um pouco mais para quem não conhece?
Bonga: Existe o Tango na Argentina, existe o Samba no Brasil, que aliás vem do Semba de Angola levado pelos escravos, levado, enfim, no tempo do infortúnio. O Semba ficou Semba e saiu um derivado através dos residentes a partir de Salvador da Baía. Mas o Semba tem uma definição própria, no gingar, é uma forma de vida, é como para os Portugueses cantar o fado que está na alma. O semba está-nos na alma, é uma vivência, é o nosso quotidiano. O quotidiano de uma angolana ou angolano sem Semba não tem grande expressão.
Cap Magellan: Já li alguma vezes em entrevistas suas sobre a questão de ser interventivo, de ligar a arte com a política no sentido lato do termo. Porque há artistas que dizem eu só faço arte, não tenho nada a ver com os problemas da sociedade, não estou a dar lições, é só divertimento.
Bonga: Nao, às vezes é por cobardia, e eu não gosto de pessoas cobardes. Quando vejo uma mulher a ser agredida na rua eu tomo uma posição, quando vejo um vizinho a espancar a mulher eu sou a primeira pessoa a bater a porta e a chamar a polícia. Vamos deixar cobardias à parte e entrar no vivo do sujeito, quando temos consciência que somos seres humanos e que temos algo que nos representa, o ritmo, o canto e a dança, isso é fundamental, a vivência das pessoas e a intervenção têm a ver com o chamamento da responsabilidade de cada uma e cada um, comecei a cantar assim porque foi uma vivência de 23 anos de vida, nos musseques de Angola onde eu vivi. Estou a falar de “Angola 72” que foi o meu primeiro disco, que virou um best seller, vendeu milhões, mas era automaticamente um recado para o interior da minha terra, Angola como um chamamento de responsabilidade e não como carne de canhão para se fazer a guerra, cuidado.
Cap Magellan: Foi uma necessidade passar pela arte para dizer o que queria?
Bonga: Sim, porque a arte é mais importante que o discurso de um político, entra direto nas pessoas. Um grande pintor, uma grande bailarina, um grande cantor, tudo isso tem alegria tem paz, tem sintonia e isso é formidável o resto são conversas.
Cap Magellan: Mas como foi o início? Em pequenino já cantava?
Bonga: Ah, sim! Eu não sou o artista que sou se não tenho essa iniciação, tive esta iniciação porque fui fundador de grupos folclóricos e a partir daí aprendi…
Cap Magellan: Era o que estava a sua volta?
Bonga:
Sim, era o que estava à minha volta porque vivíamos com pessoas a cantar, a dançar que nos ensinavam a tocar nos instrumentos típicos tradicionais, maravilha, foi a partir daí, não foi nada inventado, foi tudo praticado
Cap Magellan: Diria então que é um autodidata? Não teve aulas numa escola?
Bonga: O autodidata é para a Europa, esqueça, nem me faça essa pergunta, eu nunca fui a uma escola de música e os melhores compositores africanos nunca passaram por uma escola de música é tudo por intuição.
Cap Magellan: Mas o que prefere? A fase da composição, a gravação, os concertos, o contacto com o público?
Bonga: Cada coisa no seu lugar, há o princípio, o meio e o fim, nós estamos na fase da continuidade e quando tem espetáculos, é claro que os espetáculos nos dão imensa alegria porque estamos a transmitir a cultura deste grande povo, grande ainda pela música que mobiliza gente, ai tao bom!
Cap Magellan: E a relação com França? Tenho a impressão que a França gosta muito do Bonga e que o Bonga gosta de França.
Bonga: Reciprocamente, sim. A França abriu as portas.
Cap Magellan: É um público diferente dos outros países onde atua?
Bonga: Nós sabemos disto através de grandes artistas que a França promoveu como Mercedes Sosa, Baden Powell, Miriam Makeba, Cesária Évora, Manu Di Bango, Salif Keita, Mory Kanté, Bonga e todos os outros.
Cap Magellan: Mas porquê a França? Qual é a sua particularidade?
Bonga: A sua particularidade é a relação com as artes, por exemplo a música eu lembro-me em Paris da música tocada na rua, as guinguettes, os bailes. E isso é muito parecido com o que se encontra em Angola e outros países africanos também.
Cap Magellan: Como vê o mundo de hoje, este crescimento global da extrema-direita por exemplo?
Bonga: As coisas só se degradam quando a gente consente, e muita gente calada admite que este tipo de coisas tome outras proporções e são alarmantes, cuidado, são alarmantes.
Cap Magellan: O Bonga está numa situação privilegiada porque é um artista, mas mesmo assim teve contacto com o racismo foi algo que viveu?
Bonga: Claro. Comigo agora há um tratamento hipócrita. Cumprimentam-me porque sou o Bonga que passa na televisão, mas se há outro negro, nem querem saber batem com a porta na cara, a mesma pessoa que me disse a mim boa noite é a mesma pessoa porque é outro negro como eu não diz boa noite. Portanto, há um tratamento de hipocrisia, de cinismo, que é mau.
Cap Magellan: O Bonga tem uma grande carreira, já tem mais de 30 álbuns…
Bonga: Já nem sei quantos tenho! (Risos)
Cap Magellan: Mas o que ainda gostaria de fazer?
Bonga: Eu vou fazendo, mas sem mais correrias. Acabaram-se as correrias, já fiz atletismo, a correria que tinha de fazer já fiz. (Risos). Agora, eu estou no relax max, calmamente vou escrevendo. Quando acontece música, acontece música e quando tenho de gravar, por exemplo neste momento estou a gravar, vai sair para o próximo ano, ainda não sei quando. São temas lindos, bonitos e que têm a ver com a vivência. As coisas estão mais graves e eu também sou mais grave nos textos, vou assinalar acontecimentos e, por conseguinte, já não tenho pressa
Cap Magellan: Mas mesmo assim sempre com muita energia em palco. Qual é o segredo?
Ah isso tem a ver com uma certa disciplina de vida. Aí de mim se não a tivesse. Fiz desporto e no desporto eu descobri que há uma coisa maravilhosa que é a manutenção, o tratamento de mim mesmo ninguém vai fazer por mim o que tenho de fazer e quando vou para o palco as pessoas dizem que estou mudado, mas para melhor. Porque eu já tive uma barriga da cerveja, mas eu próprio mudei, reduzi, acho-me bem assim agora, e há certos homens que ainda não entenderam isso, um homem tem mais charme, mais pujança quando ele trata de si. Ai de mim… (risos)
Luísa Semedo