
Comunidade Cristang, os portugueses de Malaca na Malásia
5 décembre 2025No dia 14 de Dezembro de 2025, a famosa guitarrista portuguesa Marta Pereira da Costa vai atuar em Paris para um concerto imperdível. A Cap Magellan quis saber mais sobre ela e obteve uma entrevista exclusiva.
Cap Magellan: Olá Marta, espero que esteja tudo bem contigo. Tu és guitarrista portuguesa, a primeira mulher a tocar profissionalmente fado na guitarra portuguesa. Como é que explicas o facto de a guitarra portuguesa ser mais masculina em geral?
Marta Pereira da Costa: Eu acho que tem a ver com uma questão da tradição, porque nós somos um país de tradições e às vezes mudar as tradições leva o seu tempo.
Foi muito engraçado quando eu comecei a aparecer nas casas de fado e a ouvir outros guitarristas/ Ao sentar-me ao lado deles, eles próprios comentavam que nunca se tinha visto isso, nunca se tinha visto uma mulher tocar guitarra portuguesa. Por isso achavam muito curioso eu estar com essa vontade para aprender esse instrumento. Portanto acho que tem mesmo a ver com uma questão de história, mas que está a ser mudada. Hoje em dia, já há mulheres a tocar em casas de fado, já há mulheres a fazer concertos de guitarra portuguesa, portanto a história leva o seu tempo a ser escrita e está agora a mudar.
CM: Começaste a música muito cedo: aos 4 anos começaste o piano, aos 8 anos a guitarra clássica e aos 18 anos a guitarra portuguesa. Iniciaste a tua carreira em 2011 e editaste o teu primeiro álbum em 2016, que conta com a participação de grandes cantores, como Rui Veloso, Dulce Pontes ou Camané. Como é que foi acompanhar essas vozes famosas?
Marta Pereira da Costa: Eu já os conhecia todos. Decidi escolhê-los para o meu primeiro disco, o disco de apresentação, porque eram as minhas referências mais marcantes. O Rui Veloso acompanhou toda a minha infância, tocava muitas músicas na guitarra clássica, na viola. A Dulce Pontes, para mim, era a voz de Portugal e que tanto nos orgulhou. Também andou pelo mundo fora a representar Portugal com a sua música. O Camané era a minha grande referência no fado. Foi assim a primeira pessoa que eu adorei ouvir cantar e que me emocionou muito. Portanto eu quis convidá-los para estarem presentes no meu disco e foi uma honra eles terem aceito. Felizmente tinha a sorte de já ter contato tanto com o Rui como com o Camané. Com a Dulce Pontes foi um convite e a partir daí surgiu uma amizade. Ela depois também me convidou para gravar no disco dela, para tocar na banda dela, então ainda fiz vários anos de concertos pelo mundo fora, nos teatros mais bonitos do mundo com ela… Tive a sorte de ter momentos muito bons, partilhados com cada uma dessas minhas grandes referências. Foi assim uma sorte e uma honra muito grande logo no meu primeiro disco.
CM: Também já acompanhaste fadistas como Mariza, Kátia Guerreiro, Carlos do Carmo, etc. Mas enquanto intérprete e compositora, não tocas só fado, o teu estilo vai do jazz às mornas cabo-verdianas, ao chorinho brasileiro, etc. Como é que definirias verdadeiramente o teu estilo?
Marta Pereira da Costa: É tão difícil de definir. Acho que tem muito a ver com a bagagem musical que eu levo e também tem muita influência de música clássica porque eu tive muitos anos a estudar música clássica, com o piano e mesmo com a formação musical e muita música que eu ouvia muito Beethoven, Chopin, Tchaikovsky, etc. Eu acho que as minhas composições têm um pouco essa influência todo o background que eu tenho. Depois, as minhas escolhas de outras músicas que eu acho que faz sentido trazer para o universo de português são desafios que eu faço a mim própria. A ideia é mesmo de levar a guitarra portuguesa para o mundo. Ela já tem uma identidade muito única e não se perde por tocar outro género musical, ela está lá marcada. A ideia é mesmo fazer pontos com outras comunidades, até com parcerias com outros instrumentos.
Eu estou, assim, de uma forma muito fundamental, a querer experimentar tudo e dar a conhecer a guitarra portuguesa. Ganhamos muito com isso, trazermos a riqueza de tudo aquilo que existe nesses outros mundos também para a música que toco e para o mundo da guitarra portuguesa.
CM: Há algum estilo musical que gostarias de desenvolver com a guitarra portuguesa?
Marta Pereira da Costa: Gostava de ligar a guitarra portuguesa ao tango. É uma música super apaixonada e apaixonante e gostava muito de juntar com o bandoneón e toda aquela emotividade que existe no tango. Gostava de fazer ainda essa experiência e muitas outras.
CM: Como é que as tuas raízes macaenses influenciam a tua música? Achas que ajuda a essa abertura que tens?
Marta Pereira da Costa: Eu tenho família espalhada pelo mundo todo: no Brasil, na África do Sul, em Macau, no Oriente, etc. Apesar de ser uma orgulhosa portuguesa e de gostar sempre muito de voltar a casa, chegar a Lisboa, olhar para a luz de Lisboa, a cidade de todas que eu mais gosto no mundo, mas eu sinto que eu tenho uma alma do mundo, de viajar, de descobrir e de sentir outros cheiros, outros sons outras histórias outras culturas, outras cozinhas. Tenho muita vontade de descobrir o mundo com a guitarra e dar a conhecer ao mundo a guitarra portuguesa. Acho que se calhar deve ter a ver também com esse lado que tenho a família espalhada por todo o lado e sinto-me também ligada a esses vários sítios onde tenho família.
CM: Recebeste vários prémios ao longo da tua carreira. O que representam para ti?
Marta Pereira da Costa: Primeiro, representa um reconhecimento.
O primeiro prémio que eu recebi, fiquei um bocado espantada porque eu estava a começar a tocar guitarra. Eu achei que nem tocava bem o suficiente para receber o prémio, nem tinha experiência suficiente, mas senti como um reconhecimento se calhar dá ousadia e da vontade que eu tinha de aprender para me darem força e uma forma de apoio para continuar.
O prémio de composição eu fiquei muito feliz porque é sempre um conflito: nós nunca sabemos se aquilo que fazemos é bom o suficiente, se é bonito o suficiente. Fazemos porque é natural em nós e é aquilo que sai de uma forma muito verdadeira, mas depois ter autenticação ou ter a aprovação de alguém de fora sabe muito bem, dá-nos mais confiança. Portanto eu também fiquei muito feliz com o prémio de composição. Acho que até foi assim o prémio que me deu mais confiança para continuar a compor, continuar a fazer mais coisas.
Depois para o prémio instrumental com o single o dia de feira também fiquei super contente. Foi um prémio internacional da música portuguesa.
Acho que a música instrumental ainda tem que ganhar o seu espaço, porque nós estamos habituados a ouvir fado, a ouvir música cantada, e tudo que é instrumental ainda tem as portas um bocadinho fechadas, portanto acho que foi uma boa vitória ter conseguido esse reconhecimento. A ideia é continuar a dar voz à guitarra, porque as pessoas no princípio podem estranhar o facto de não ter fadista. Até nas televisões ou nas rádios, não podem passar instrumental, porque dizem que tem que ser coisas rápidas, senão depois as pessoas mudam de canal. Eu penso que nós temos que educar um pouco o público e mostrar. De certeza que as pessoas vão gostar, porque o feedback que eu tenho tido dos sítios onde tenho tocado, é que as pessoas adoram do princípio ao fim, que é uma viagem, que realmente naquele concerto a voz não fez falta e a história foi contada de outra forma. Portanto temos de continuar a dar a conhecer e vai ficar uma coisa natural como já é noutros concertos instrumentais que existem com outros instrumentos.
CM: No dia 14 de Dezembro vais tocar em Paris, no Teatro de La Ville. O que representa para ti?
Marta Pereira da Costa: É um teatro emblemático. Pelo que eu percebi, será nos Abbesses, um teatro que faz parte do grupo do Teatro de La Ville.
Poder atuar em Paris é um sonho. Eu já estava há vários anos a tentar uma oportunidade de apresentar o meu espetáculo em Paris, porque acreditava muito que o público iria gostar e gostava de ter essa oportunidade de dar a conhecer. Demorou algum tempo, por isso agora que está quase a chegar o dia, eu estou super ansiosa, eu espero que a sala esteja cheia. Quero dar a conhecer ao maior número de pessoas que possam estar presentes, vou entregar tudo, preparar um concerto muito bonito. Só quero chegar e poder partilhar esse momento com todos!
CM: Esse concerto vai ser só instrumental ou ter algumas surpresas de cantores ou outros instrumentos?
Marta Pereira da Costa: Sim, vai ser um concerto a quatro mãos, com guitarra portuguesa e piano. Este conceito representa o meu último trabalho, o meu último disco Sem Palavras. É um concerto gravado de guitarra portuguesa e piano.
No entanto, nós vamos percorrer todo o repertório, desde o primeiro disco. Vamos ter temas que não estão editados em nenhum dos discos. A ideia é ser uma apresentação geral de tudo aquilo que temos vindo a fazer nos últimos anos e aproveitar que há uma estreia em Paris para dar a conhecer um pouco de tudo.
CM: Aconselhar a toda a gente a trazerem lenços.
Marta Pereira da Costa: Muitos lenços! Até eu choro em palco às vezes. Emociono-me muitas vezes com uma música especial, ou a Memórias ou a Minha Alma. São duas músicas que eu compus e que têm um significado muito especial, e eu emociono-me. Às vezes até vou para lá daquilo que posso, e é bom, desde que eu não perca muito o controle, que não me engano a tocar nenhuma nota, mas é uma experiência muito boa.
CM: Como é que descreverias o teu público?
Marta Pereira da Costa: Eu até toco mais fora do que em Portugal, portanto o meu público acaba por ser um público que está um pouco à descoberta. Alguns já me viram no Tiny Desk ou já vão de propósito para assistir a um concerto, mas pela maioria eu sinto que são pessoas que gostam de música e que vão lá descobrir algo novo. Eu pergunto sempre se já foram a Portugal, se conhecem uma casa de fados e tento explicar um bocadinho como é que é a casa de fados. A sensação que eu tenho é que conseguimos sempre conquistar mais algumas pessoas para ter curiosidade em saber mais sobre fados, saber mais sobre a guitarra portuguesa e quem sabe até visitar o nosso país.
CM: O teu último álbum, Sem Palavras, saiu dia 10 de maio de 2024. Estás a preparar outro?
Marta Pereira da Costa: Estou, mas não posso ainda adiantar muita coisa.
Depois de Paris ainda vou estar a trabalhar no meu próximo álbum. Eu não sei descansar e tenho sempre vontade de fazer mais coisas e se me puxam por mim então, eu nunca digo que não e estou sempre pronta. Então fui desafiada aqui para o próximo projeto, não posso mesmo adiantar nada sobre ele, mas estou com muita vontade de preparar uma coisa nova.
CM: Para acabar, a pergunta que faço sempre: tens uma mensagem para os jovens lusodescendentes?
Marta Pereira da Costa: A mensagem é que, mesmo estando fora, que o coração esteja sempre ligado ao nosso país e que não percam as raízes nem a curiosidade em conhecer e divulgar também aquilo que é nosso e que nos enche de orgulho. Estejamos em que partes estivermos.
CM: Muito obrigada Marta. Estamos ansiosos por te ver no palco em Paris!
Convidamos toda a gente a comprar os seus bilhetes para o concerto.
Também pode seguir Marta Pereira da Costa nas suas redes sociais.
Entrevista realizada por Julie Carvalho,
Publié le 07/12/2025




