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8 octobre 2019O dia 30 de agosto de 1999 tornou-se histórico para o Povo Maubere. Após vários séculos de ocupação por potências estrangeiras, a zona oriental da ilha de Timor torna-se independente.
A libertação do jugo português fora proclamada a 28 de novembro de 1975 na sequência do processo de descolonização encetado com o 25 de Abril. Contudo, a emancipação do território só é reconhecida internacionalmente em 20 de maio de 2002. Entretanto, decorreram perto de 24 anos de opressão impostos pelo regime ditatorial indonésio que invadira a ilha na sequência da proclamação de independência. O presidente indonésio Suharto (1967-1998) mergulha a população de Timor Oriental num clima de terror. As perseguições, a tortura e os assassínios de timorenses (maioritariamente católicos numa Indonésia muçulmana) tornam-se frequentes.
A resistência à ocupação indonésia organizou-se desde cedo em torno da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) assumindo três frentes: a frente armada, a cargo das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (FALINTIL), conduzidas por Xanana Gusmão; a ação da frente clandestina no território indonésio; a frente diplomática que defendeu a causa timorense junto das instâncias internacionais.
A partir de 1975, instala-se uma longa guerra de libertação, da qual o massacre do cemitério de Santa Cruz, em 1991, foi um dos momentos mais sangrentos. O acontecimento teve um impacto decisivo junto da comunidade internacional, com especial relevo para Portugal que desenvolve então um longo e repetido trabalho de sensibilização junto das Nações Unidas. Em 1996, D. Ximenes Belo, chefe da Igreja Católica em Timor-Leste, e José Ramos Horta, representante da FRETILIN no estrangeiro, são agraciados com o Prémio Nobel da Paz, dando uma projeção mundial à questão do Povo Maubere.
Com a morte do presidente indonésio Suharto, em 1998, abrem-se novas perspetivas para o futuro da ilha.
O novo presidente indonésio, Jusuf Habibie (recentemente falecido), pressionado pela diplomacia internacional, autoriza a realização de um referendo sobre a independência do território de Timor Lorosa’e. O plebiscito sobre a autodeterminação salda-se por uma esmagadora maioria a favor da separação com a Indonésia (cerca de 79%). Seguiu-se um período de transição sob a égide da ONU e com a proteção dos Capacetes Azuis.
O drama vivido pelos Timorenses comoveu o mundo: personalidades da política internacional como Nélson Mandela, Madeleine Albright ou ainda Jimmy Carter, visitaram Xanana Gusmão aquando do seu aprisionamento nos cárceres de Jacarta; o reconhecimento da resistência timorense com o Prémio Nobel da Paz; na literatura, inúmeros escritores fizeram de Timor o tema dos seus textos literários; na música, Rui Veloso, Trovante ou, ainda, Resistência, cantaram a luta maubere.
Nos versos: «A lua ilumina o meu feitio / O sol ilumina o aliado / Poderemos, talvez, ser derrotados / Ou combatidos, mas somente unidos.» (Ruy Cinatti, Poema do Pacto de Sangue); «E mais uma vez queimaram / e mataram e massacraram / E o povo fugiu para as suas montanhas cor-de-mãe. /Passaram dias e dias que pareciam meses. […] A pouco e pouco, ainda a medo, / a gente desceu das montanhas, / Velhos e meninos, homens e mulheres / regressaram, doentes e famintos, / às cidades, às pequenas aldeias, / aos campos do paraíso verde, arruinado. / Do nada recomeçaram então / a construir um país novo. / E o sol voltou a nascer (João Mésseder, Timor Lorosa’e: a ilha do sol nascente). Nas canções: «Salgas os ventres que não tiveste / ceifando os filhos que não são teus / nobre soldado nunca sonhaste / ver uma espada na mão de Deus […] Ai Timor / calam-se as vozes dos teus avós / Ai Timor / se outros calam cantemos nós (Trovante, Timor).
Há vinte anos, o povo timorense escolhia a via da independência, pondo fim a vários séculos de ocupação estrangeira. Porque a liberdade é o valor mais alto, só confiscado se extorquido ao coração dos Homens. Contudo, a sua memória permanece na alma e impele quem sofre a resistir. Xanana Gusmão, D. Ximenes Belo, José Ramos Horta são alguns dos rostos da luta pela liberdade do Povo de Timor. Sobram milhares de desconhecidos que resistiram, que sacrificaram até a própria vida … O dia 30 de agosto pertence-lhes. Hoje cantemos nós… Viva Timor-Leste! Viva o Povo de Timor Lorosa’e!
Miguel Guerra – Professor de História
capmag@capmagellan.org