No próximo dia 9 de abril sai nas salas o último filme de André Gil Mata, Sob a Chama da Candeia (A la lueur de la chandelle). O realizador ofereceu-nos uma entrevista exclusiva.
Cap Magellan: Boa tarde, André Gil Mata, espero que esteja tudo bem. O teu filme, Sob a Chama da Candeia, sai nos cinemas no próximo dia 9 de Abril. Estás ansioso?
André Gil Mata: É sempre um momento importante depois do trabalho. É um trabalho de muitos anos. O filme já passou em alguns festivais, mas acho que nas salas, quando encontra um público mais diversificado para quem o filme foi feito, dá uma ansiedade suplementar.
CM: Este filme já foi apresentado em vários festivais e até recebeu o prémio de melhor filme em Sevilha. Como é que foi recebido nestes festivais?
André Gil Mata: É um bocadinho difícil ter ainda uma noção. O filme realmente passou em alguns festivais, mas acho que foi recebido calorosamente. Nos festivais há um público, de certa forma, muito específico. Acho que não representa muito bem a globalidade dos espectadores.
CM: Sob a Chama da Candeia conta de maneira não linear a vida de Alzira, que é a tua avó. O que quiseste transmitir ao espectador com essa história singular?
André Gil Mata: Não é só a história da minha avó. Para mim, quando eu era miúdo, eram duas avós, porque em casa dos meus avós viveu desde muito nova uma senhora que era órfã. Trabalhava e vivia na casa. Portanto, quando eu nasci, eram duas referências para mim, no fundo.
Acima de tudo quis tentar transmitir umas perguntas, um afeto ou uma relação que eu tive com essas duas pessoas e com aquela casa também. Parte muito daí: da vida dessas duas pessoas nessa casa, em que viveram praticamente a vida toda.
CM: Nesse filme não há muitas falas. Porquê?
André Gil Mata: Principalmente porque aquela casa, para mim, realmente era um lugar de silêncio. Às vezes não era um silêncio muito agradável, mas sempre foi uma casa de silêncios, mesmo depois da morte do meu avô que o impunha. Se calhar o silêncio aí deixou de ser imposto, mas manteve-se de uma outra forma. Foi um silêncio que se manteve, embora não por uma forma repressiva.
CM: Algo que me tocou muito, são as várias representações do tempo que passa, de muitas maneiras, como por exemplo a igreja. Como é que pensaste todas essas simbólicas?
André Gil Mata: O filme é muito fragmentado. Não tem se calhar um arco natural dos filmes. Eu tinha muita vontade realmente de tentar passar pelas minhas memórias e pelas memórias das outras pessoas, daquilo que me contaram, daquilo que eu não vivi, mas que de certa forma depois se tornaram também memórias ou criações na minha cabeça. Depois há uma questão de estrutura do filme que segue o percurso de um ano, digamos. Ele começa na primavera e termina no inverno. Também começa no amanhecer e termina na noite, ou seja, faz o percurso de um dia. Isso era bastante importante para mim, para situar aquela casa num espaço temporal e num espaço não definido. Por um determinado momento, o filme percorre várias décadas, ou seja, o tempo cronológico é rompido. E essa estrutura de tempo foi sendo construída muito por memórias e por imagens. Tentei deixar mais que o filme fosse construído do que propriamente tentar eu construí-lo de uma forma rígida.
CM: O filme é uma coprodução portuguesa e francesa. Porquê?
André Gil Mata: Essa coprodução foi muito importante, eu diria mesmo fundamental. O filme foi coproduzido pela So-cle, que é uma produtora francesa, da Clementine Mourão Ferreira, que é uma luso-francesa. Esse lado foi muito importante no filme também porque o filme foi todo pós-produzido em Paris e foi realmente interessante esse desafio que foi terminar o filme aí em França e realmente com pessoas muito especiais.
CM: É o teu 9o filme, 4a longa-metragem. Estás a preparar outro?
André Gil Mata: Estou a preparar candidaturas e a tentar captar dinheiro para poder fazer outros sim. Já tem forma na minha cabeça, mas se calhar pode nunca existir.
CM: Em 2020, criaste em Porto uma cooperativa dedicada à produção e à formação. Como é que funciona este projeto?
André Gil Mata: A Rua Escura é uma cooperativa. Nós somos três realizadores que tentamos produzir os nossos filmes e filmes de amigos, colegas, pessoas com quem temos vindo a trabalhar ao longo do tempo. Criamos realmente relações de amizade e de partilha. Nasce um bocadinho dessa necessidade, porque o Porto é uma cidade que ainda não tem um ritmo como Lisboa, como as capitais europeias de produção cinematográfica. No Porto, não há efetivamente muitas produtoras. Queremos também criar um bocadinho essas infraestruturas para que possa haver o lado formativo. Também queremos preencher o buraco grande que existe sobretudo no trabalho com a película que se deixou, à conta do digital, tomar um pouco as rédeas de tudo. É um meio que ainda gostamos de trabalhar e que não abdicamos. Realmente tem sido boa essa experiência desses cursos gratuitos que nós tentamos fazer de forma que as pessoas possam realmente tentarem. São cursos que não têm limites de idade e a ideia é mesmo que as pessoas experimentem o cinema como podiam experimentar outro hobby qualquer, mais numa lógica de amador.
CM: Para acabar, a pergunta que faço sempre no final das minhas entrevistas: tens uma mensagem para os jovens lusodescendentes?
André Gil Mata: Acho que estamos realmente a viver um momento muito estranho e difícil. A mensagem é tentar ir buscar forças onde elas possam existir e ter esperança, estarmos juntos socialmente. O isolamento tem sido um dos grandes problemas do nosso tempo. O filme fala um bocadinho sobre isso, mas num outro tempo. Acho que agora precisamos de trabalhar de uma outra forma para combater mas espero que tenham força e esperança.
CM: Muito obrigada André!
Convidamos toda a gente a ir ver Sob a chama da candeia nos cinemas!
Entrevista realizada pela Julie Carvalho,
de Os Cadernos da Julie