Ana Moura é uma das maiores cantoras e fadistas conhecida internacionalmente. Estará de volta a Paris esta segunda-feira dia 3 de março de 2025 para um concerto imperdível em La Cigale! A Cap Magellan obteve uma entrevista exclusiva.
Cap Magellan: Boa tarde Ana, espero que esteja tudo bem contigo. Estás prestes a atuar na Cigale, em Paris, esta segunda-feira já, dia 3 de março. Estás ansiosa? O que é que está previsto?
Ana Moura: Vou trazer ao La Cigale as músicas deste meu último disco. Vai ser um convite a toda a gente a entrar nesta casa, a casa que se chama Casa Guilhermina e que é a minha própria casa, com todas estas divisões que a compõem e onde eu convido as pessoas a entrarem desde os espaços mais íntimos da casa, aos mais associáveis. Estas divisões com todas as sonoridades que fazem parte dela também. Isto porque eu sinto que nasci fadista e isso não se desenraiza de mim em nada do que faço, mesmo não cantando eu sinto-me fadista, mesmo agora a falar com vocês, por exemplo. Portanto, é algo que está intrínseca em mim, mas eu também sou outras coisas, ouço e sou influenciada por outras coisas. Este disco traz tudo isso. Segunda-feira, trago todas estas divisões desta casa e desta história que fazem a minha casa.
Cap Magellan: O que é que representa para ti dar este concerto em Paris sobretudo?
Ana Moura: Especialmente esta sala, La Cigale, é uma sala muito especial para mim, porque é lá que conheci o Prince. Ele veio ver o meu concerto nesta sala e foi uma noite muito especial. Além disso, estava a ser muito acarinhada pela grande comunidade portuguesa que me veio ver, então foi uma noite mesmo que guardo com imenso carinho.
Obviamente, cantar em Paris deixa-me sempre feliz, porque realmente já tive a oportunidade de cantar em várias salas e guardo memórias muito bonitas. A comunidade portuguesa vem sempre ver-me, enchem as salas e isso deixa-me extremamente feliz.
Cap Magellan: És uma fadista conhecida e reconhecida de todos, recordista de vendas de discos em Portugal. Começaste a cantar fado enquanto criança e já cantaste com vários artistas como o Prince, os Rolling Stones, o Gilberto Gil, entre outros. Porque representar Portugal no estrangeiro com o fado?
Ana Moura: Represento Portugal no estrangeiro com o fado, mas também com outros géneros. Todos juntos esses géneros fazem aquilo que sou. No fundo, sou uma artista portuguesa. Portanto, aquilo que eu trago é a minha essência enquanto artista, mas que é sempre do ponto de vista de uma artista portuguesa.
No início, sentia uma enorme responsabilidade carregar a bandeira de uma cultura, mas hoje em dia com estas misturas que vou fazendo e com este som que eu considero próprio, que tenho criado, fico muito feliz por poder viajar pelo mundo inteiro. Mostrar aquilo que é a minha identidade musical é algo que me traz muita felicidade mesmo!
Cap Magellan: Ao longo da tua carreira tens explorado vários tipos de fado. Achas que é um género musical que pode mudar e ser reinventado?
Ana Moura: Acho que sim, tudo sofre evolução na vida. Nós estamos em constante evolução e o fado não é exceção e não tem sido exceção, aliás. Mesmo se olharmos para a história da maior figura do fado, que é a Amália Rodrigues, ela trouxe algo de novo ao fado. Trouxe a sua própria história dentro do fado. Mesmo na altura quando começou a gravar, ela cantou músicas que na altura os puristas não consideravam fado e que hoje em dia são considerados grandes clássicos do fado. Portanto, mesmo que estas músicas tenham sido consideradas hoje em dia fado, ela também gravou um disco só de tarantelas, que são músicas tradicionais italianas, gravou um disco de estándares americanos, de jazz, etc. Ou seja, a condição dela, fadista, também não fez com que não explorasse outras coisas. Inevitavelmente trouxe influências dessas outras coisas para o próprio fado dela. Isso fez com que o fado fosse sofrendo uma evolução.
Portanto, acho que é essencial que procuremos encontrar uma identidade e que, ao mesmo tempo, estejamos em comunicação com tudo aquilo que se passa no mundo, porque não estamos puxados em nós próprios, estamos em comunicação e estamos a receber estímulos de outros géneros e a responder a isso com a nossa identidade. Isso faz com que as coisas evoluam e acho importante que aconteça.
Cap Magellan: Ao compor, as inspirações mais modernas são pensadas antes do fado ou são adicionadas ao longo do processo criativo?
Ana Moura: Agora estou no processo criativo. Estou sempre a descobrir novas formas de criar. Tento que essa escolha não seja muito cerebral. O que é que eu tenho dentro de mim que sai naturalmente? E então vou compondo e aquilo que sai naturalmente, agarro. Isso é o ciclo. A nossa vida é feita de ciclos. Tenho que aceitar o ciclo onde estou neste momento e responder muito mais com o coração do que propriamente com a cabeça para ir para lugares mais profundos de mim própria.
Cap Magellan: Ao integrar influências modernas no fado, já encontraste alguma resistência da parte dos mais puristas?
Ana Moura: Obviamente existem críticas de pessoas que oferecem mais resistência àquilo que eu vou fazendo mas eu não me tenho focado nisso. Tenho que seguir o meu caminho. É isso que me apaixona, é isso que me faz sentir viva, é isso que me estimula. Preciso de estar num constante processo de apaixonamento, de descobrir novas coisas e de descobrir o que é que eu posso trazer à minha linguagem e à minha estética mais fadista. Descobrir sempre novos elementos é algo que me estimula imenso. Estou sempre à procura de saber qual é o meu novo som, qual é que é agora a minha nova sonoridade e é isso que me estimula e me apaixona.
Cap Magellan: A tua família retornou de Angola e a tua mãe é angolana. Criança, dançavas sembas e kizombas. Continuas a dançar? Como é que essas origens têm um impacto na tua arte?
Ana Moura: Tem sido uma experiência incrível hoje em dia poder dançar através das minhas próprias músicas no palco porque a dança sempre foi algo que me trouxe muita felicidade à minha vida.
Era muito comum nas reuniões familiares ouvirmos sembas e kizombas e nós dançávamos! Era algo muito comum e que nos trazia sempre muita alegria, uma festa.
Antes de eu começar a fazer este disco, eu perdi a minha prima direita, filha da irmã da minha mãe. Nós adorávamos essa herança angolana e adorávamos dançar ao som dos ritmos angolanos. Queria muito escrever-lhe um semba em homenagem, porque quando entrava no carro dela, tinha sempre sembas e kizombas. Era algo que nos unia e que trazia imensa felicidade à nossa amizade. Dançamos juntas a vida inteira. Queria escrever-lhe um semba e foi aí que percebi o disco que eu estava a começar a fazer. Foi essa música que determinou que eu fosse buscar essas minhas heranças, minha herança angolana e misturá-la com aquilo que estava a fazer no momento. Tem sido um processo muito bonito.
Hoje em dia tenho bailarinos, tenho um corpo de bailarinos incrível comigo no palco e desenvolvemos coreografias que narrativamente acompanham toda a história do disco. É mesmo lindo poder dançar e expressar com o corpo a minha própria música!
Cap Magellan: Além da música, o teu universo inclui dança mas também moda. Como é que estes elementos influenciam a tua identidade artística?
Ana Moura: Acabei de fazer um desenho que é uma ideia já para os meus próximos concertos. Vou tentar trazê-la para Paris. Estava aqui a desenhar agora e a enviar à Pilar do Rio, que é uma designer de joias com uma estética muito bonita mesmo. Estava aqui a desenvolver uma ideia para uma peça, para pôr no corpo por cima dos meus vestidos.
A moda é também uma forma de comunicar. Aquilo que vestimos é mais uma forma de comunicação e isso é muito importante para mim, termos ferramentas para expressarmos aquilo que queremos dizer ao mundo, na evolução que queremos que o mundo tenha. Quando visto uma peça, tem sempre uma intenção. Isso também é algo que me estimula e que adoro desenvolver. Aliás, também já tive uma coleção de jóias e desenho. Não estudei a moda, mas estimula-me muito poder desenvolver criativamente ideias em parceria com designers de excelência, como Pilar do Rio, por exemplo, que depois conseguem transformar isso numa peça que faça sentido na narrativa do disco e daquilo que eu quero dizer.
Cap Magellan: Recebeste vários prêmios ao longo da tua carreira e desde janeiro de 2015, és comendadora da Ordem do Infante Dom Henrique. O que é que isso significa para ti?
Ana Moura: Todos os prémios são reconhecimentos do nosso trabalho, do nosso esforço também. Há muita beleza envolvida na criação, mas há muito esforço. As pessoas só veem o lado mais glamouroso da coisa, mas é algo exigente.
Todos estes prémios trazem-nos um conforto, são mensagens que nos fazem sentir que há um reconhecimento no que estou a fazer e dá-me força para continuar a descobrir e a desenvolver ainda mais.
Cap Magellan: Começaste a trabalhar com o produtor Moon Willis para o teu último single, Desliza, um produtor que também trabalha, por exemplo, com o Stromae. Como é que ocorreu essa colaboração?
Ana Moura: O Stromae ouviu o meu disco Casa Guilhermina e adorou o disco! Convidou-me para fazer as primeiras partes da turnê dele. Só que, entretanto, ele ficou doente e cancelou a turnê, mas cheguei a fazer dois concertos.
Entretanto, conheci o Moon Willis. Quando estava a fazer esta música quiz perguntar-lhe se queria produzi-la e foi assim que aconteceu. Gostei imenso de trabalhar com ele. Aliás há muitas referências que trago para a minha música da música do Stromae. Ele é mesmo muito, muito, muito inspirador e portanto acho que foi a combinação perfeita para aquele momento na minha vida trabalhar com o Moon Willis.
Cap Magellan: O teu último álbum, Casa Guilhermina, foi publicado de maneira independente em 2022. Estás a preparar outro disco?
Ana Moura: Estou a desenvolver agora umas ideias. Estou apaixonada já, porque é sempre um processo difícil de perceber onde é que nós estamos agora: Qual é que é o próximo passo? Onde é que eu estou agora? Mas escrevi uma música que me deixa mesmo muito feliz. Porque eu tinha uma ideia na cabeça, mas às vezes até conseguirmos verbalizar ou chegar mesmo à ideia que nós temos dentro de nós é difícil. Acho que já consegui encontrar esse caminho e estou muito apaixonada. Mas ainda não vou revelar!
Cap Magellan: Achas que esse próximo disco também vai ser publicado de maneira independente?
Ana Moura: Sim, também vai. Descobri que nunca conseguimos ser inteiramente independentes nesta indústria. Por exemplo, uso uma editora para distribuir os meus álbuns. Mas sim, eu considero-me uma artista independente. Hoje em dia, tenho a minha própria equipa formada por mim e nós fazemos tudo de acordo com a estratégia que eu defino para mim própria. Portanto, desse ponto de vista, sou uma artista independente e espero continuar a ser.
Cap Magellan: Para acabar, a pergunta que faço sempre no final das minhas entrevistas: tens uma mensagem geral para os jovens lusodescendentes?
Ana Moura: Uma mensagem só de agradecimento por estarem disponíveis para ouvir a minha música e para entrar dentro desta casa onde toda a gente pretende ser bem-vinda! Essencialmente é uma mensagem de agradecimento geral!
Cap Magellan: Obrigada Ana, nós é que agradecemos. Vemo-nos então esta segunda-feira em La Cigale!
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Interview réalisée par Julie Carvalho,
de Os Cadernos da Julie, et Laura Padrão
de Tempestade 2.1