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22 septembre 2021Brasileiro residente em França há mais de 30 anos, Márcio Faraco lançou em março deste ano o seu mais recente álbum, produzido por Robson Galdino e que conta com a participação de Agnès Jaoui, Stéphane Belmondo, Júlio Castro e Sérgio Galvão. O cantor apresenta-se esta quinta-feira (23) no New Morning.
A Cap Magellan teve a oportunidade de entrevistar o cantor antes do concerto e convida todos os nossos leitores a participar no nosso concurso para poderem ver o Márcio Faraco esta quinta-feira (23).
Cap Magellan : Antes de mais, como se pronuncia o R do seu apelido?
Márcio Faraco : Faraco. Aqui (em França) falam Márcio Farraco.
CM : O seu pai era militar e guitarrista amador e a sua avó formou-o em teoria musical. Qual o papel da sua família no desenvolvimento da sua aptidão para a música?
MF : Foi determinante porque eu não sei quando é que a música entrou na minha vida. Desde muito pequeno sempre ouvi muita música em casa, então eu não sei se foi a minha avó, ou o meu pai, ou se foi todo o mundo porque a família inteira toca alguma coisa. O meu pai, por exemplo, agora com 90 anos, continua tocando, a música é quase que um vício.
CM : Com o seu pai teve a oportunidade de conhecer a maior parte do Brasil e da sua rica cultura. De que forma é que essa experiência da sua juventude ainda marca a sua forma de viver ou a sua produção musical?
MF : Ela marca muito. Eu mais ou menos criei uma teoria. Eu morei em muitos lugares bem diferentes, como o sul do Brasil, o nordeste, o Rio (de Janeiro), Belo Horizonte e cada lugar tem um sotaque diferente. Essa maneira de falar de cada lugar é muito importante na hora que as pessoas fazem música. Então os ritmos, eu acredito que são oriundos da maneira como as pessoas falam. As pessoas tocam como falam.
CM : Chegou a França no início dos anos 90. No entanto, o seu primeiro álbum data de 2000. Como descreve esta década?
MF : O começo é bem difícil porque não sabia falar francês, eu aprendi na pressão. Toquei muito em Saint-Tropez para poder ganhar a minha vida, mas não era o tipo de trabalho que queria fazer: eu tocava, para milionários, as músicas que os franceses queiram ouvir do Brasil, não eram coisas minhas. Foi uma passagem meio difícil, mas também foi um aprendizado interessante porque eu tocava muito, tive que aprender muito do repertório brasileiro e também serviu para incorporar a minha música.
CM : O que significou para si a assinatura de um contrato com uma editora como a Universal?
MF : Um milagre, eu acho, porque eles eram muito irresponsáveis de assinar comigo *risos* porque era um brasileiro fazendo música em português na França. A gravadora privilegia os talentos nacionais. Como era uma gravadora internacional, então foi mais fácil porque, quando eles não sabem onde colocar os brasileiros, colocam no jazz, que é a música prima da música brasileira. De uma hora para a outra, eu, que estava tocando em Sain-Tropez, passei a viver nos metros de Paris e nos cartazes.
CM : Depois de várias tentativas frustradas, como descreve tornar-se uma fenómeno instantâneo, com a venda de 60 mil cópias do seu primeiro álbum?
MF : Eu vi que as coisas mudaram quando tive que pegar muito avião e voar e fazer turné nos Estados Unidos, coisa que eu nunca tinha imaginado fazer. E isso muda pela facilidade, você não tem de conquistar mais tanto, as pessoas já vêm conquistadas, já escutaram o disco e vêm com a intenção de gostar do show. Quando você não é conhecido e vai fazer um show, as pessoas já vêm desconfiando de você, porque é diferente, então, com metade do jogo ganho era melhor.
CM : Prefere que as pessoas vão desconfiadas, ou que saibam àquilo que vão?
MF : Para mim tanto faz, eu toco para mim *risos*.
CM : Desde então, já teve a oportunidade de lançar mais oito álbuns nos últimos 20 anos. Seguindo a pergunta de há pouco, como descreve estas duas décadas seguintes?
MF : Eu acho que fiz poucos discos. Eu tenho uma produção muito grande, componho sempre, ontem mesmo compus. Todo dia eu faço, é um trabalho. Na minha frente tem um sapateiro, todo o dia ele abre a sapataria, eu abro aqui meu violão. Hoje em dia, o tipo de artista que eu sou não tem a possibilidade de fazer um disco por ano porque as gravadoras e a divulgação não conseguem acompanhar. O que acontece é que eu tenho um baú cheio de música, tenho quatro discos para sair e estou lançando um.
CM : Pode falar um pouco da sua relação com o Yamandu Costa? Onde se conheceram? Que tipo de parceria construiram?
MF : Já faz tanto tempo, eu sei que o ouvi pela primeira vez no Rio de Janeiro, ele ainda era muito menino e eu não gostei porque eu achei o som muito ruim, mas eu constatei que era um grande violonista. Com o tempo, ele amadureceu e, apesar da facilidade técnica dele para tocar, passou para um sentimento. Ele é um daqueles músicos que vai sozinho e você vê o show e não sente falta de ninguém. Comigo talvez se eu for tocar sozinho a pessoa talvez durma *risos*, mas com ele não.
CM : Deburando-nos sobre o seu mais recente álbum, L’éctricien de la ville de lumière, o que desplotou a vontade de cantar apenas em francês?
MF : Eu não tinha muita vontade de cantar em francês, na verdade. Quando eu assinei com a Universal, muitos autores começaram a me mandar letras. Só que eu faço música em português e as pessoas me mandavam em francês. Aí, aos poucos, eu fui abrindo, cheguei até a escerver a letra de uma música em francês. Era incapaz de escrever um álbum inteiro em francês porque escrever não é tão fácil assim e seria irresponsável da minha parte, então eu comecei a colecionar escritos.
CM : Como foi o processo de encontrar e colecionar escritos franceses para a produção deste álbum?
MF : Foi um pouco difícil porque os autores aqui fazem muito tracadilho e pouca história, e eu não estava querendo. Então comecei a procurar e um dia recebi a letra de um rapaz e achei muito boa. Pedi mais e ele mandou outra e era melhor ainda. Comei a compor e não parava mais, passei de 15 canções. Esse rapaz, eu resolvi conhecer melhor, ele veio para cá e a gente começou a conversar e ele me disse que era eletricista em Paris porque não dava para viver da poesia. E veio daí o nome do álbum.
CM : Qual tem sido a recetividade internacional da Música Popular Brasilera (MPB) cantada em francês? E especialmente do público brasileiro, quais têm sido as reações à interpretação em francês de um estilo musical que é caracteristicamente brasileiro?
MF : Antes de mais é preciso explicar a dificuldade de adaptar a escrita francesa aos ritmos brasileiros, porque no Brasil a gente priviligia muito a música, em francês não, o que importa é a letra. Fui ajeitando, sem tirar a personalidade que vem junto com a nossa língua. As pessoas ficam tocadas de ouvir francês nesse tipo de música. É sobretudo uma reação agradável.
CM : Qual é, para si, o poder internacional da MPB?
MF : É muito grande porque o português de Portugal tem uma influência da invasão árabe e tem todas essas palavras árabes e a gente ainda incorporou os indíginas e depois houve toda a gente que se mudou para o Brasil para construir o país. A música brasileira é simplemente um resultado dessa sopa. Então, quando você vai tocar nos lugares muito distantes, as pessoas gostam porque, sem saber, tem um pouco delas lá dentro. Mesmo não entendendo nada, se sente alguma coisa ali.
CM : Que papel desempenha o Márcio Faraco nessa expressão do poder da MPB?
MF : Tem o papel natural da música e do enriquecimento da alma das pessoas. Depois tem o papel político, eu nunca deixei de falar o que eu acho e penso da política brasileia ou internacional nas grandes músicas, sempre tem uma música ou outra que fala disso.
CM : Por fim, como surgiu a expressão “o mais francófono dos músicos brasileiros”? E, que significado tem para si?
MF : Não é culpa minha, alguém falou. Eu acho que talvez por causa do Pierre Barouh, que se dizia o mais francês dos brasileiros, porque ele foi um dos incentivadores da música brasileira na França. Foi uma das primeiras pessoas que conheci antes de a Universal querer assinar comigo. Ele queria assinar na gravadora dele e talvez ele tenha dito isso ao contrário. Mas também já me disseram várias coisas, já me disseram que sou um exilado poético. Eu acho engraçado *risos*
Ana Sofia Rocha