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4 juin 2019400.. São 400 km que este grupo de 11 mulheres decide atravessar até Fátima, lugar onde, no dia 13 de maio de 1917, três crianças – Lúcia, Francisco e Jacinta – afirmaram terem visto “Uma senhora mais brilhante do que o Sol ». Para muitos portugueses e outros fiéis do mundo, esta cidade tornou-se num lugar santo, mas também um lugar de encontro para muitos peregrinos.
Esta cidade é o objectivo do grupo de peregrinas que seguimos no filme « 11 fois Fatima » (« Fátima » na versão original). João Canijo segue o caminho emocional e bastante físico que estas mulheres do Norte decidem fazer. Cada uma tem a sua motivação e a sua maneira de lidar com a dificuldade da peregrinação… Cada uma é uma mulher que escolheu caminhar dias e dias, deixando-se por vezes dominar pelas emoções.
Este filme, que se aparenta a um documentário, expõe a experiência da peregrinação, uma escolha pessoal que nem todos percebem, e que é apresentado aqui sem « disfarce », levando a refletir sobre os preconceitos que podem existir acerca do tema.
Com a saída do filme em França, no dia 12 de junho de 2019, e após o sucesso que conheceu em Portugal, a Cap Magellan teve a oportunidade de fazer algumas perguntas ao realizador João Canijo (« Sangue do Meu Sangue » em 2011) e à atriz Rita Blanco (« A Gaiola Dourada » em 2013).
Começámos por questionar a atriz que interpretou uma figura importante do grupo de peregrinas, para descobrir como é que tinha sido trabalhar neste novo projeto.
Cap Magellan: O que sentiu ao descobrir este novo projeto ? O que a convenceu a trabalhar neste filme ?
Rita Blanco: Trabalhar neste filme, e com o realizador João Canijo, faz parte de um projeto longo e contínuo, e por isso não foi uma surpresa e foi uma continuação de um processo de trabalho conjunto de muitos anos. Quero sempre trabalhar com o João porque é um realizador que me conhece bem, que sabe pedir o que precisa para servir o filme, e que me leva mais longe no meu trabalho.
Cap Magellan: Como é que se preparou fisicamente para este filme ?
Rita Blanco: A minha preparação para este filme teve mais a ver com o estudo do contexto e da personagem do que propriamente uma preparação atlética. E como eu sempre andei, não foi muito complicado…
Cap Magellan: Já alguma vez fez uma peregrinação sozinha, ou com um grupo de peregrinos, antes deste filme ?
Rita Blanco: Nunca tinha ido a Fátima enquanto peregrina. Mas fui com peregrinos verdadeiros, na minha preparação. E foi importante ir.
Cap Magellan: O cansaço físico e emocional é umas das forças deste filme, que se aparenta mais ser um documentário. No entanto, não podemos esquecer o trabalho das atrizes, as quais viveram esta experiência, como é que se sentiu no final das filmagens ?
Rita Blanco: No fim do filme, eu estava cansada, e sendo um trabalho de grande tensão – como são sempre os filmes do João Canijo – estava esgotada e queria voltar para casa e dormir bem!
Cap Magellan: O grupo de peregrinos conhece algumas dificuldades durante o filme, mas contudo, parece ser uma grande família. Como foi trabalhar com este grupo de atrizes ? Entenderam-se bem ?
Rita Blanco: Trabalhar com tantas mulheres não tem que ser um problema, e não é essa a questão, parece-me… Mas são muitas atrizes, cada uma com o seu ego… E o João Canijo adora explorar esse ambiente ! Foi difícil algumas vezes, não digo que não…
Cap Magellan: Neste filme, a fragilidade de cada uma das mulheres do grupo é apresentada « sem filtro ». Como é que se sente quando se deve mostrar desta forma, frente a uma câmara ?
Rita Blanco: Sabe, esse é o meu trabalho… Expor-me de alguma forma… Mas aquela, sou eu como personagem. Não sou a Rita, ali. Isso, é o que faço…
Cap Magellan: Sente que é diferente trabalhar num projeto no qual a religião ocupa um lugar tão importante ?
Rita Blanco: Todas as histórias, todas as personagens têm as suas especificidades. Esta está num contexto religioso que tem a ver com a vida e com as pessoas. Não há nada de muito espiritual no próprio filme… Esse é apenas o pretexto para mostrar aquelas pessoas.
Cap Magellan: Acha que a peregrinação apresenta as pessoas como são realmente, ou outra pessoa, uma pessoa que o cansaço muda ?
Rita Blanco: Acho que as pessoas, numa situação limite, de cansaço, de sacrifício físico e emocional, exacerbam a sua maneira de reagir ao que se passa à volta. Mas não mudam, sobretudo nessa altura. O momento espiritual talvez seja depois, mas mudar, poucas pessoas o fazem, não acha?
Continuamos com perguntas para o realizador, para descobrir um pouco mais sobre a inspiração deste filme.
Cap Magellan: Porque escolheu fazer um filme sobre o tema da « peregrinação » ?
João Canijo: Porque a peregrinação trata de um esforço levado cada dia ao limite do esgotamento, sabendo que no dia seguinte, o mesmo sacrifício se repete. Ao mesmo tempo, numa peregrinação, dá-se o paradoxo entre a busca da elevação espiritual e a natureza humana. O filme é sobre esse conflito, em que geralmente a natureza humana se sobrepõe à aproximação ao transcendente.
Cap Magellan: Sem dúvida, as atrizes tiveram uma preparação física para este filme, também foi o seu caso ?
João Canijo: As atrizes fizeram todas peregrinações reais, longas e esgotantes. Antes de lhes pedir esse esforço, eu também o fiz. Até para tentar compreender as razões que levam a este sacrifício.
Cap Magellan: Este filme é tão espontâneo que quase parece um documentário, como é que conseguiu este resultado ?
João Canijo: A ideia sempre foi fazer uma ficção disfarçada de documentário. O resultado foi conseguido pela pesquisa das actrizes, foram elas que trouxeram as situações e as circunstâncias reais ao filme. Praticamente nada do filme é inventado, é tudo roubado das experiências reais das actrizes.
Cap Magellan: Acha que o filme seria o mesmo se o grupo de peregrinos fosse composto de homens ?
João Canijo: Completamente diferente. Mas há uma clara maioria de mulheres nos caminhos de Fátima. E isso também se verificou nos vários grupos das peregrinações reais das actrizes.
Cap Magellan: Durante o filme, podemos ver a que ponto este caminho até Fátima é difícil, do ponto de vista físico e mental. Estas dificuldades estão tão presentes que, no final, podemos perguntar-nos porque é que estas mulheres o fazem… Porque focalizou-se tanto nestes aspetos ?
João Canijo: Porque o filme foi uma tentativa de apresentação da realidade, e ela foi investigada exaustivamente. Ainda hoje, estou a tentar compreender porque é que as pessoas fazem aquele sacrifício daquela forma.
Cap Magellan: Ao fazer este filme, parece que tentou mostrar tudo sem nenhum filtro, mas também sem nenhuma crítica. Quis deixar ao espectador essa liberdade de crítica (só ele é que pode fazer a própria crítica/opinião, e não o filme) ?
João Canijo: Para mim não existe verdade, só existem diferentes interpretações da realidade. Por isso, na minha opinião, não faz sentido a imposição de um ponto de vista, seja ele crítico ou faccioso. Ao espectador, cabe fazer a sua interpretação de uma realidade que lhe é apresentada.
Cap Magellan : Na sua opinião, este filme mudou a sua maneira de ver a religião ? Poderá mudar a percepção das pessoas que o vão ver ?
João Canijo: Eu continuo tão estupefacto com a religião como antes. Mas consigo entender melhor as pessoas religiosas. Não sei se pode mudar alguma coisa, e a intenção nunca foi essa.
Cap Magellan: Tudo acaba com a chegada a Fátima, a peregrinação, mas também os problemas que se criaram durante a viagem… Será que tudo acaba porque o grupo chegou a Fátima (lugar santo para este grupo), ou porque o sofrimento acabou ?
João Canijo: A chegada a Fátima é sempre um momento de catarse e de alívio.
Lurdes Abreu
capmag@capmagellan.org