
Festival Au Fil des Voix 2025 : 50 ans des indépendances des pays d’Afrique Lusophone
23 janvier 2025No dia 15 de novembro de 2024, a cantora Katia Semedo esteve em Paris para realizar a primeira parte do concerto de Lucibela no Café de la Danse. A Cap Magellan teve o prazer de assistir a este evento e de poder entrevistar a artista logo depois, para falar do seu último EP, Caminhos de São Tomé.
Cap Magellan: Olá Katia, espero que esteja tudo bem contigo. Estamos hoje no Café de la Danse, aqui em Paris, onde a Lucibela acabou de dar o seu concerto, no qual fizeste a primeira parte do show. Como é que foi? O que achaste do público, da sala e do ambiente?
Katia Semedo: Foi uma grande honra abrir o concerto de lançamento da Lucibela. O público foi receptivo, o que me ajudou muito, porque é a minha primeira vez em Paris. Houve um momento de nervosismo, mas depois fluiu. A recepção do público foi muito calorosa e para mim foi incrível essa primeira experiência aqui em Paris.
CM: Tiraste os teus sapatos no palco. É uma referência à Cesária Évora?
Katia Semedo: Eu respeito muito a diva dos pés descalços, mas eu não faço por causa disso. Faço pela energia do espaço. Com os pés no chão, eu me sinto mais segura e consigo transmitir melhor as emoções. Então, foi por causa disso que descalcei. Normalmente, faço isso nos shows: começo com os sapatos, porque as pessoas gostam de ver uma cantora muito bem vestida, e depois descalço, porque os pés no chão faz-me fluir. Espero que o público não tenha achado estranho.
CM: Como é que conheceste a Lucibela?
Katia Semedo: Nós nos conhecemos na viagem para a Angola. Foi a primeira vez que tivemos contato e nós nos apaixonamos logo no aeroporto. Ela nos encontrou em Praia para irmos fazer uma escala a Cabo Verde, Senegal, Togo, Angola. Foi a primeira vez que fui para Angola e nos encontramos. Nos demos muito bem, ficamos amigas. Gostaram muito do concerto, houve um segundo convite. Na segunda vez lá nós resolvemos fazer uma música. Foi tão bom. Nesse momento que vivemos em Angola, o pessoal lá nos recebeu com muito carinho. Nós nos sentimos mesmo em casa. Daí surgiu essa colaboração entre eu, a Lucibela e o Fábio Ramos, que não pôde estar aqui hoje. Desde lá nós somos best friends.
CM: É também uma sorte de mentor?
Katia Semedo: Claro, claro. A Lucibela tem uma caminhada linda, já tem um público. Acho que a Lucibela é uma pessoa que pode abrir portas para mim, sim. Também ter a Lucibela como a pessoa que ela é, ao meu lado, é uma grande valia, tenho uma grande admiração por ela.
CM: Nasceste em São Tomé e Príncipe, mas ficaste apaixonada pela música cabo-verdiana. De onde é que vem?
Katia Semedo: Nasci em São Tomé, mas sou neta de avós paternos cabo-verdianos. Então, desde pequena, ouvia a minha avó cantar. Cantava uma melodia que na altura era desconhecida para mim, mas que me tocava. Dizia-me alguma coisa. Era muito profunda a melodia, a forma que ela cantava. Era como se fosse um choro, uma saudade. Emanava vários tipos de sentimentos enquanto cantava. Com o tempo, percebi que era morna. Me apaixonei pela morna. Depois, comecei a ouvir alguns cantores em casa. Daí, achei que o meu caminho era procurar onde existe esse tipo de música. É Cabo Verde. E cá estamos nós.
CM: Quando é que aprendeste a música, a cantar?
Katia Semedo: Aprendi a cantar em casa, cantava desde pequena. Cantava no jardim, cantava na igreja, era salmista. Foi assim que eu aprendi a cantar, nunca fiz aulas de canto. Acho que a maioria das cantoras cabo-verdianas cantam assim, em casa, na igreja e nas tocatinas, as noites de música cabo-verdiana. A primeira vez que fui para Cabo Verde, tinha 10 anos. Fui representar a diáspora cabo-verdiana de São Tomé. Depois voltei em 2010 para Praia, 2011 para Lisboa e em 2013 para Luxemburgo para participar do mesmo evento “Concurso revelação Vozes da Diápora´´. Neste mesmol ano, 2013, resolvi de mudar para Cabo Verde. Aconteceu muita coisa: tive o meu filho e depois ele teve que voltar para São Tomé para ficar com os meus pais porque eu estava a estudar e não tinha nenhum familiar pelo menos próximo o suficiente para cuidar dele. Continuei a estudar e fazia noites de música cabo-verdiana. Eu fiz enfermagem, tinha que ir para a escola, para o estágio e fazia música à noite. Foi difícil, mas foi muito produtivo. Valeu a pena ter feito essa caminhada. Foi assim que eu conheci o Jô da Silva. Soube que era uma grande oportunidade. Quando ele falou comigo foi antes da Covid, a pandemia. Tivemos essa ruptura e só continuamos em 2023.
CM: Então é este EP, Caminhos de São Tomé?
Katia Semedo: Caminho de São Tomé saiu no ano passado com as músicas que cantei hoje. Nós internacionalmente ainda não fizemos produção. Só começamos a fazer há dois meses em Lisboa, mais ou menos. Aproveitei a oportunidade do convite da Lucibela para aprfesentá-lo aqui hoje.
CM: Em que língua foram escritas e cantadas as oito faixas desse EP ?
Katia Semedo: Só criolo do Cabo Verde, por acaso não escrevi músicas em dialeto de São Tomé. Há uma música que fala da Muala, que significa mulher em dialeto forro, de São Tomé. Tendo em conta as vivências que eu passei, a maturidade que eu adquiri durante o processo, é uma música que faz referência a mulher no seu todo. Trago algumas expressões, em dialeto forro, para homenagear a minha terra São Tomé e Príncipe. As pessoas perguntam sempre porque que não canto em dialeto, o criolo de São Tomé. A questão é que, eu me senti, pelo menos, nesta fase e neste projeto, mais à vontade escrevendo em criolo, escrevendo as minhas experiências que aconteceram em Cabo Verde. Caminho de São Tomé retrata também a história dos meus avós. Meus avós foram contratados em São Tomé, na década de 50 e por outro lado eu vim para Cabo Verde. É a história ida dos meus avós para São Tomé e o retorno da neta para Cabo verde “terra de vovó“, há esse cruzamento. Assim surgiu o Caminho de São Tomé. Eu conto a minha história, a minha ida para Cabo Verde que era basicamente ir atrás dos meus sonhos. Acho que até hoje para concretizar esse sonho de ser cantora, eu tinha que me mudar para Cabo Verde. Foi o que eu fiz. Meus avós fugiram da fome de 47 que matou muita gente em Cabo Verde, para trabalhar nas roças de cacau, de café. Eu vim por causa de uma fome que era muito diferente: a fome de ser cantora. Esse é o resumo do Caminho de São Tomé. A música Conbersu ku mar mostra também que essa caminhada não foi fácil. Tive que me desapegar do meu filho, ao desabafar com o mar, eu faço tentativas para entender o quão difícil era esse sofrimento, a saudade era grande. Consigo ver o olhar dele triste porque a distancia que nos separava era grande. doloroso, Foi muito difícil e doloroso.
CM: Acabaste de falar do single Conbersu ku mar. Gravaste um videoclipe, que está no Youtube. Como foi esse videoclip? Onde foi gravado?
Katia Semedo: Foi gravado em Cabo Verde. Era difícil gravar em São Tomé. Nós gostaríamos, mas não foi possível. Fizemos aquilo que podíamos fazer e correu muito bem. O vídeo foi gravado na praia de São Francisco na ilha de Santiago. A praia estava meio deserta, mas ficou bom. Vemos essa comunicação com o mar, esse desabafo. Conbersu ku mar faz uma analogia interessante. O mar carrega muitas emoções. É curioso, é o mar que te separa, o mar que traz boas novas, o mar que corta relações. O mar é um símbolo muito forte para os cabo-verdianos, e não só. Falar do mar é… folclórico.
CM: Para acabar, tens alguma mensagem para artistas que queiram lançar-se?
Katia Semedo: Acho que não é fácil seguir essa caminhada, é difícil. No entanto, nada é impossível quando se é movido pelo sonho. Então, o apelo é não desistir. Trabalhar, trabalhar e não desistir. Se realmente é aquilo que queres, é melhor correr atrás.
CM: E como ser convencida?
Katia Semedo: Pelo que a música me faz sentir. O momento musical é o momento de transbordar. Eu sinto que esse é o meu lugar, que eu nasci para estar aqui. Então, desde o momento em que tive essa certeza, aconteceram muitas coisas que podiam me fazer desistir mas não o fiz. Eu me sinto em casa quando estou a cantar. Eu me sinto em casa quando estou no meio de músicos. Essas experiências me dão cada vez mais certeza de que é esse caminho que quero continuar a seguir.
CM: Obrigado pelo seu tempo Katia! Foi uma grande festa, ficamos todos a dançar no Café de la Danse.
Esta entrevista nos camarins do Café de la Danse permitiu uma conversa calorosa, tanto sobre a sua carreira e a atuação em Paris quanto nas suas motivações, receios e intenções.
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Entrevista realizada pelo Antonin André,
do programa Tempestade 2.1.