O COVID-19 E AS FRONTEIRAS
4 mai 2020Coisa mais Linda, la série féministe brésilienne à voir sur Netflix !
15 mai 2020O ano de 2020 será, indiscutivelmente, recordado por este período de confinamento que estamos a viver. Um vírus “parou o mundo” e ameaça reconfigurar a teia de poderes nas relações internacionais, e produzir impactos sociais e económicos incalculáveis nos próximos tempos. Milhões de pessoas em todo o mundo procuram cumprir as orientações dos respetivos Governos e entidades de saúde responsáveis pela gestão da pandemia (um confinamento forçado, na negação da sociabilidade do ser humano), sendo certo que o futuro nos irá obrigar a uma mudança considerável de hábitos e comportamentos. Este período de confinamento tem permitido, ao mesmo tempo, uma séria reflexão sobre o modo como as sociedades se encontram estruturadas, sobre os níveis de poluição registados durante este período e sobre as bases e os valores em que as sociedades se alicerçam. Ou seja, é o momento de redefinição de prioridades.
Nos períodos de crise conseguimos identificar o melhor e o pior da Humanidade, sempre foi assim ao longo da história. Por isso, agradecemos o envolvimento de milhares de pessoas na ajuda aos outros, no combate direto à propagação do vírus e na criação de condições para evitar que à crise sanitária se junte uma crise económica e social de maiores dimensões. De igual modo, condenamos a ausência de solidariedade, os comportamentos individualistas e a incapacidade de proteger os mais vulneráveis, num modelo de sociedade que exclui, muitas vezes, os mais velhos. A defesa de uma sociedade intergeracional inclusiva deve ser refletida na ação dos decisores públicos, mas também na ação de cada um de nós, cientes de que o contributo de todos é essencial para superar esta crise.
Estes momentos permitem, igualmente, observar a “crua realidade” que assola muitas cidades, onde a desumanidade no acolhimento é percetível no modo como milhares de pessoas vivem em espaços sem as mínimas condições de salubridade e onde um “manto” cobre essas duras condições aos olhos da sociedade.
A resposta à crise fica marcada por pequenos gestos, atitudes que à primeira vista surgem como insignificantes, mas que têm um potencial de replicação e uma simbologia que permitem estabelecer pontes entre gerações e temáticas. Nas primeiras semanas da propagação do novo Coronavírus em solo europeu fomos confrontados com o surgimento de desenhos efetuados por crianças com a expressão “vai ficar tudo bem”. A simplicidade da mensagem era acompanhada por um arco-íris, símbolo de inúmeras lutas pela igualdade e pela afirmação da diferença. A força da simplicidade da mensagem torna-a mais eficaz, tendo rapidamente estes desenhos se tornado virais entre as casas das famílias Portuguesas e no mundo das redes sociais, através dos tradicionais “hashtags” e de uma onda de solidariedade e esperança assente nos valores humanistas.
O arco-íris, símbolo da igualdade e da afirmação da diferença
A escolha pode ser casuística, fruto da imaginação e da liberdade criativa das crianças, mas as bandeiras arco-íris há muito estão associadas a outros movimentos, a outras lutas, a outros períodos de resistência. Mas no computo geral, partilham um sentimento positivo, baseado na igualdade, no respeito pela diferença, no amor pelo próximo e na união da Humanidade.
Num período marcado pela incerteza, importa reiterar a necessidade de garantir a construção de uma sociedade que partilhe e perfile os valores humanistas. Uma sociedade integradora e inclusiva. A bandeira arco-íris é, desde a década de 1970, utilizada pelo movimento LGBT, como símbolo da luta pela igualdade e da esperança. A bandeira é, simultaneamente, símbolo do reconhecimento e da cultura LGBT a nível global, tendo a mesma sido desenhada pelo norte-americano Gilbert Baker, em 1978. A bandeira é composta por seis cores diferentes (listas horizontais), representando a diversidade humana.
As cores utilizadas são o azul (ligação ao mundo artístico), o amarelo (representa o sol e a luz da vida), o roxo (significando o espírito e a força que carregamos), o verde (ligação à natureza e a simbiose entre a Humanidade e o Ambiente), o vermelho (representando o amor) e o laranja (espelho da cura e do poder). Estes significados são partilhados por diversos movimentos e dificilmente rejeitados em qualquer debate político ou social (valores universais), ou seja, a simplicidade e a força das cores e das imagens associadas, permitem reflexões mais profundas sobre o que está em causa em cada luta política e social.
Ao longo das últimas décadas foram sendo acentuadas as lutas pelos direitos de terceira (alguns consideram já estarmos nos direitos de quarta geração), sendo que um caminho sólido dessa defesa é a luta por causas, por valores, derrubando preconceitos e juízos de valor sobre as opções e as características de cada pessoa.
Não está em causa qualquer luta por privilégios ou direitos diferenciados, está em causa o reconhecimento pleno da igualdade dos cidadãos, no rigoroso cumprimento do estipulado nas Constituições das Democracias e nos diversos tratados internacionais. Da vertente legislativa para a vertente prática há um longo caminho pela frente, mas é através do exemplo que podemos mudar gerações. O recurso a uma bandeira arco-íris é símbolo desse reconhecimento, sendo que ao longo dos últimos 70 anos o recurso a estas cores foi sendo utilizado para simbolizar a paz, nomeadamente como símbolo da esperança durante a II Guerra Mundial, como símbolo utilizado para contestar o recurso às armas nucleares ou um simples símbolo de união dos povos e das culturas. De um modo global, é fácil compreender que a simbologia associada se enquadra numa perspetiva construtiva, de harmonia e de confiança na edificação de um mundo melhor, precisamente o que esteve na base do recurso ao uso do arco-íris por parte de milhares de crianças. A construção de pontes acontece, muitas vezes, pelo olhar e pela ação das crianças, pelo que esta oportunidade deve ser aproveitada para reforçar essas pontes no “mundo dos adultos”.
As coincidências no seu recurso podem, de facto, ter como base uma casualidade inexpressiva, pelo que não é nosso objetivo forçar aqui qualquer relação causa-efeito ou forçar outras interpretações sociológicas, mas num momento em que múltiplas sombras se abatem sobre o nosso modo de vida e em que em todo o mundo se lamentam milhares de mortes, importaria alargar horizontes e respeitar a individualidade de cada cidadão, assegurando que as liberdades são respeitadas e que o amor ao próximo supera divisões fúteis e baseadas num intervencionismo do Estado sobre o modo de vida de cada indivíduo.
O exemplo dado por estas crianças pode (e deve) fazer escola no presente e no futuro. Que todos saibamos aprender com este exemplo. Que todos saibamos replicar este exemplo nas nossas vidas, no nosso quotidiano, nas nossas ações. Que a sociedade se alicerce em pontes. Que o mundo seja construído de Esperança, sob um manto arco-íris.
Bruno Ferreira Costa
Professor Universitário
Universidade da Beira Interior