Na vila de Mira, distrito de Coimbra, ergue-se uma imponente estátua em memória do Infante D. Pedro, duque de Coimbra, senhor de Montemor, Buarcos e Mira, filho de el-rei D. João I e de D. Filipa de Lencastre. Nascido no ano de 1392, fora o segundo de uma fratria de seis irmãos a que Camões apelidou de «ínclita geração». Por ter participado brilhantemente na tomada de Ceuta, em 1415, recebe o ducado de Coimbra. Versado em letras e ciências desde a sua mais tenra infância, viaja pelos principais centros políticos, económicos e culturais da Europa (1425-1428) onde cimenta uma sólida formação. Esse périplo vale-lhe o epíteto de “Príncipe das Sete Partidas”. Na sequência da morte prematura do seu irmão, el-rei D. Duarte, D. Pedro assume a regência do reino (1439-1448) até à maioridade de D. Afonso V. Cedo depara-se com a oposição das grandes famílias nobres do país, já que D. Pedro, em estadista visionário, tende para a centralização do poder real e para a dinamização do comércio encabeçada pela burguesia urbana. Entretanto, D. Pedro dá um rumo decisivo à exploração da costa africana, em detrimento das conquistas no norte de África. Mas a luta de poderes entre as casas nobiliárquicas (em particular as de Bragança, Viseu e Coimbra), já com D. Afonso V a reinar com plenos poderes, leva ao desfecho trágico da batalha de Alfarrobeira e à morte do Infante D. Pedro.
Chegaram até nós vários escritos da autoria do Infante, revelando uma consciência política ciente dos problemas do país e das medidas necessárias a tomar. De Flandres, endereça, em 1426, a Carta de Bruges a D. Duarte na qual aconselha o futuro rei a rodear-se de conselheiros e homens de leis oriundos dos três estados sociais. Representatividade social nos poderes políticos? No mesmo documento, apresenta uma reforma da Universidade que permitisse, a custo do erário da instituição, a inclusão de alunos mais pobres. Bolsas de estudo? Mas é no Tratado da Virtuosa Benfeitoria, por volta de 1431, que D. Pedro revela alguns dos seus mais notáveis traços de governante. A obra constitui o primeiro tratado de filosofia e política em língua portuguesa. Quantos às nomeações para os cargos administrativos, o Infante aconselha «que fossem os melhores, e não os amigos» e que os governantes tenham em consideração «o proveito dos súbditos e esquecer os próprios desejos». Quanto à distribuição das riquezas, «se os bens temporais fossem razoavelmente repartidos, e disso tivessem cargo os que o bem poderiam fazer, não haveria na cristandade mendigaria vergonhosa […] fazendo celeiros em certas comarcas, com que a caridade ocorresse àquele que a ventura foi falecer». A ostentação de riquezas pela nobreza, muitas vezes maus pagadores, é também alvo de críticas: «Não damos moradias aos de nossas casas, nem lhe ocorremos em o necessário, e jazemos em dívidas aos mercadores, não lhes pagando as coisas de que nos usamos».
Após a subida ao trono de D. Duarte, D. Pedro aconselha frequentemente o irmão na prudente concessão de benesses e outros privilégios, assim como na melhor forma de governar. Em 1437, a nobreza portuguesa impele o rei para as conquistas em Marrocos ambicionando terras e cargos para seu proveito. Prepara-se a expedição de Tânger. É um terrível fracasso, a que se junta a captura do Infante D. Fernando, refém dos Mouros até à sua morte. Um ano antes D. Pedro recomendara abandonar o projeto de conquista de praças norte-africanas e investir no desenvolvimento do território nacional. Os parcos meios financeiros e a pouca gente presente no país não permitiam ambições de conquista contra tão poderoso inimigo. Antes prosseguir para sul, junto à costa africana, e garantir o comércio da Guiné. Assim escrevia D. Pedro ao seu irmão: «Mas posto que passásseis e tomásseis Tânger e Alcácer e Arzila, queria Senhor que lhe fareis, porque povoá-las com reino tão despovoado e tão minguado de gente como este nosso, é impossível. E se o quisésseis fazer seria torpe comparação, como quem perdesse boa capa por mau capelo, pois era certo perder-se Portugal e não se ganhar África».
Seiscentos anos depois. Reforma do sistema de saúde, aumento do poder de compra, greve dos camionistas, avanço da extrema direita, racismo… Inúmeros problemas a enfrentar e a resolver para atingir níveis de desenvolvimento que possam garantir a todos os Portugueses melhorias significativas nas suas condições de vida. Exigem-se para isso governantes competentes e insuspeitos à imagem do Infante D. Pedro. Uma boa governança com uma nova geringonça?
Miguel Guerra, Professor de História
SIP – Liceu Internacional de Saint-Germain-en-Laye
SIP – Liceu Alexandre Dumas de Saint-Cloud
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