Paris volta a abrir portas à Literatura Africana
8 septembre 2021Eleições Autárquicas 2021
8 septembre 2021Ator. Cineasta. Pintor. Poeta. Escritor. Ondjaki, pseudónimo de Ndalu de Almeida, conta já com quase três dezenas de obras na sua oferta bibliográfica, que lhe atribuíram cerca de vinte prémios literários. De origem angolana, escolhera a cidade de Rio de Janeiro para viver, mas o seu percurso deixara grandes marcas em Portugal, onde estudou Sociologia.
Ondjaki representará a literatura africana lusófona no Salon du Livre Africain.
Cap Magellan : Ondjaki, tem um objetivo particular com aquilo que escreve? Quem pretende atingir com as suas obras?
Ondjaki : Creio que escrevemos para dizer pequenas coisas. Pequenos recados. Alguns são para uma espécie de “agora”, do momento imediato. Outros recados são maiores do que nós e do que o próprio tempo que vivemos. São coisas que serão (ou não) reveladas pelo tempo. Portanto, por enquanto escrevo porque tenho pequenas estórias para contar. Não para muita gente, isso já entendi há muito. São estórias para algumas pessoas, alguns olhos, alguns corações. E está bem que assim seja.
CM : De que forma decide se a história que vai contar será apresentada em verso ou em prosa?
Ondjaki : Esperando. Escrevo, escuto, releio, corrijo. E depois a estória se revela. E algumas até pedem para desaparecer ou nao ser publicadas. É preciso escutar a estória a partir de dentro, do âmago dela.
CM : Há uma parte autobiográfica em todos os seus livros?
Ondjaki : Em todos, não. Apenas em alguns, e mesmo esse lado autobiográfico é quase colectivo. Escrevo não só a partir de vivências minhas, mas do colectivo que me cercou em criança. Gosto disso, que algumas vidas se juntem ou se multipliquem para criar uma nova versão da realidade, da ficção, e também da memória colectiva. A vida é também uma grande ficção.
CM : É a ironia uma ferramenta importante para eufemizar/suavizar a realidade de uma África pós-guerra civil?
Ondjaki : Creio que é uma resposta humana. Não sei, não estudei, a co-relação entre as geografias do planeta terra e o modo de reagir aos fenómenos sociais. Nem sei se existe uma relação. Mas creio que é humana essa resposta de tentar lidar com o “atroz”, o “cruel” com as ferramentas que a própria humanidade produz. O humor, a ironia, a leveza são ferramentas humanas para lidar com os pesadelos colectivos. A guerra seria um desses pesadelos. A desigualdade social, por exemplo, é um dos grandes pesadelos e desafios da modernidade. E também mata tanto quanto uma guerra.
CM : Quem são, a seu ver, os grandes nomes da literatura africana lusófona?
Ondjaki : Existem grandes obras, grandes livros. Não sei se existem grandes nomes, mas entendo a sua questão, sim. Quero fingir que não entendo. Quero responder assim: os grandes livros mudam pequenas coisas na estrutura de cada um. E isso, além de importante, é belo. Mudar. Aceitar uma mudança dentro de nós.
CM : Os seus livros são repletos de cor. O Ondjaki recorre frequentemente à sinestesia para descrever o espaço da ação. Utilizar cores para transmitir sensações poderá ser indispensável na sua escrita? E até mesmo ser caraterística da literatura africana?
Ondjaki : Eu não creio que exista, por mais que nos esforcemos, “uma única” característica comum a toda a literatura africana. Nem europeia ou americana. Existem “zonas”, digamos, em que determinadas tendências se praticam. Creio que a cor aparece naturalmente. Não sei, não sou capaz, nem mesmo estou à busca de explicar o “como” (how to) dos meus processos de criação literária. Isto é, não me cabe a mim. Mas acho que existem ciclos. Poderei estar inserido num ciclo de cores e cheiros, por enquanto. Amanhã outros ciclos me visitarão.
CM : O quê ou quem o inspira?
Ondjaki : Qualquer coisa e muitas coisas. Mas também o olhar dos velhos e das crianças. As pessoas e as suas mãos e os seus comportamentos e as suas hesitações quotidianas. Os fenómenos absurdos da natureza: o sorriso fugaz de um peixe, o voo das andorinhas, a tristeza dos cães urbanos, a doçura misteriosa de um movimento diagonal felino. Essas coisinhas invisíveis que estão sempre a acontecer perto do mar, das brumas e do vento.
CM : Porque decidiu participar no Salon du Livre Africain? O que representa este tipo de eventos para si?
Ondjaki : Acho que estes eventos servem sobretudo para divulgar, dar a conhecer e promover a interacção entre escritor e público. Creio que é uma boa iniciativa.
CM : O que podemos esperar do Ondjaki num futuro próximo?
Ondjaki : Uma curta-metragem chamada “A cozinha”, que está pronta e será apresentada ainda em 2021. Um novo livro de estilo não definido, com ilustrações maravilhosas do artista português Alex Gozblau. Nos próximos anos, um livro de contos. Uma outra curta-metragem. Um documentário ou dois. E alguma poesia solta. Se tudo isto acontecer, então o próximo ciclo de 5 anos estará equilibrado para mim.
Mais informações acerca do salão.
Eva Nizon Araújo